PRATICAGEM DEFENDE MODELO DO SERVIÇO EM AUDIÊNCIA NA CÂMARA

Em audi­ên­cia públi­ca na Câmara Federal sobre três pro­je­tos de lei que tra­tam de pra­ti­ca­gem, repre­sen­tan­tes da Praticagem do Brasil defen­de­ram a apro­va­ção do PL 1565/2019 (de auto­ria do depu­ta­do Augusto Coutinho) e cri­ti­ca­ram os PLs 757/2022 (do gover­no fede­ral) e 4392/2020 (do depu­ta­do Alceu Moreira). Enquanto o pri­mei­ro pro­cu­ra con­fe­rir sta­tus legal às Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (NORMAM-12), os demais pro­põem pas­sar a regu­la­ção econô­mi­ca da ati­vi­da­de da Marinha do Brasil para a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), sob o argu­men­to da exis­tên­cia de supos­tas falhas de mer­ca­do pre­ju­di­ci­ais aos donos dos navi­os (arma­do­res), con­tra­tan­tes do serviço.

O vice-pre­si­den­te do Conselho Nacional de Praticagem, prá­ti­co Bruno Fonseca, aler­tou que os dois últi­mos PLs apre­sen­ta­dos à Câmara repre­sen­tam séria ame­a­ça à segu­ran­ça da nave­ga­ção ao sub­me­ter à con­sul­ta da Antaq pro­ce­di­men­tos téc­ni­cos de segu­ran­ça da Marinha com reper­cus­são no pre­ço do serviço.

O pro­je­to do depu­ta­do Alceu Moreira pre­vê ain­da a fle­xi­bi­li­za­ção da esca­la de rodí­zio úni­ca de aten­di­men­to aos arma­do­res, per­mi­tin­do que empre­sas de nave­ga­ção con­tra­tem dire­ta­men­te prá­ti­cos de sua pre­fe­rên­cia. Já o PL do depu­ta­do Augusto Coutinho vai na dire­ção con­trá­ria, inse­rin­do a esca­la – esta­be­le­ci­da na NORMAM-12 – na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei 9.537/1997), a fim de tra­zer segu­ran­ça jurí­di­ca. Por esse sis­te­ma atu­al, con­sa­gra­do mun­di­al­men­te, o dono do navio não esco­lhe quem vai aten­dê-lo, e vice-ver­sa, garan­tin­do inde­pen­dên­cia ao prá­ti­co para que tome sem­pre a deci­são mais segu­ra, inde­pen­den­te­men­te do inte­res­se comer­ci­al do arma­dor. Ao mes­mo tem­po, a esca­la asse­gu­ra a dis­po­ni­bi­li­da­de inin­ter­rup­ta do ser­vi­ço e que o prá­ti­co não vai tra­ba­lhar demais, a pon­to de com­pro­me­ter a segu­ran­ça, nem de menos, poden­do per­der experiência.

– Afinal, a segu­ran­ça da nave­ga­ção é um meio ou um fim? Os aspec­tos econô­mi­cos estão aci­ma da segu­ran­ça nos PLs 757 e 4392. A Antaq ain­da não tem com­pe­tên­cia téc­ni­ca e assen­to na Organização Marítima Internacional (IMO) como a Marinha para regu­lar segu­ran­ça. O pro­je­to do gover­no fala em ins­ti­tuir um cole­gi­a­do para esta­be­le­cer parâ­me­tros a serem obser­va­dos pela Antaq na regu­la­ção econô­mi­ca. Por que não mon­tar esse cole­gi­a­do na pró­pria Marinha a quem já cabe a ampla regu­la­ção na lei e o faz de for­ma exi­to­sa? Esses dois pro­je­tos visam a enfra­que­cer o mode­lo de pra­ti­ca­gem bra­si­lei­ro, refe­rên­cia no mun­do pelo índi­ce insig­ni­fi­can­te de aci­den­tes, em favor do lucro de pouquís­si­mos arma­do­res que con­tro­lam o trans­por­te marí­ti­mo em oli­go­pó­lio. Qualquer regi­me pode ser aper­fei­ço­a­do, mas as mudan­ças devem vir para melho­rar o ser­vi­ço, não o degra­dar – afir­mou Bruno.

O pre­si­den­te da Federação Nacional dos Práticos, prá­ti­co Gustavo Martins, mos­trou exem­plo de por­ta­ria de regu­la­ção econô­mi­ca da Marinha, que, de acor­do com a Lei 9.537, pode fixar o pre­ço do ser­vi­ço, em cará­ter tem­po­rá­rio, para garan­tir o aten­di­men­to nos casos em que não hou­ver acor­do na nego­ci­a­ção com os donos dos navi­os. No entan­to, ele res­sal­tou que essas situ­a­ções são raras, já que pra­ti­ca­men­te 100% dos arma­do­res são aten­di­dos por acor­dos comer­ci­ais de lon­go pra­zo fir­ma­dos com a praticagem.

– O prá­ti­co é obri­ga­do a pres­tar ser­vi­ço mes­mo que não remu­ne­ra­do. Como vou pres­si­o­nar por um acor­do de pre­ço se sou obri­ga­do a aten­der ao navio inde­pen­den­te­men­te de acor­do? De qual lado está o poder de mer­ca­do? – ques­ti­o­nou Gustavo.

Ele apre­sen­tou dados atu­a­li­za­dos que pro­vam que o pre­ço da pra­ti­ca­gem está abai­xo do pra­ti­ca­do inter­na­ci­o­nal­men­te e não afe­ta o Custo Brasil. Segundo o estu­do rea­li­za­do em 2021 pelo Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), refe­rên­cia em aná­li­ses no setor, o valor da pra­ti­ca­gem por tone­la­da de soja expor­ta­da varia entre R$ 0,66 e R$ 1,25 nos esta­dos de São Paulo e Espírito Santo, depen­den­do da clas­se de navio. Já a par­ti­ci­pa­ção da pra­ti­ca­gem no total dos cus­tos logís­ti­cos de esco­a­men­to do pro­du­to varia entre 0,11% e 0,25%, a depen­der do local de ori­gem da car­ga; enquan­to no valor do fre­te marí­ti­mo gira entre 0,36% e 0,86%, de acor­do com o por­to de destino. 

– Infelizmente, nos per­de­mos nes­sa dis­cus­são de pre­ço e não deba­te­mos os ver­da­dei­ros gar­ga­los de efi­ci­ên­cia do setor, como usar o modal rodo­viá­rio em detri­men­to do fer­ro­viá­rio no esco­a­men­to dos pro­du­tos até os por­tos – acres­cen­tou Gustavo.

Ele lem­brou que, ain­da que o pre­ço da pra­ti­ca­gem fos­se redu­zi­do, não há garan­tia dos arma­do­res de dimi­nuir o fre­te para o dono da car­ga, como uma vez obser­vou o então dire­tor geral da Antaq e hoje secre­tá­rio naci­o­nal de Portos e Transportes Aquaviários, Mario Povia. Por outro lado, dis­se, uma even­tu­al redu­ção de pre­ço pode­ria impac­tar a capa­ci­da­de de inves­ti­men­to da pra­ti­ca­gem em estu­dos, tec­no­lo­gi­as e trei­na­men­to em prol da segu­ran­ça da navegação. 

O pre­si­den­te da Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística, André de Seixas, res­sal­tou que fal­ta pri­o­ri­da­de do Congresso para resol­ver os pro­ble­mas reais dos embarcadores:

– Quem con­tra­ta o ser­vi­ço de pra­ti­ca­gem é o dono do navio, não o dono da car­ga. Se os pró­pri­os arma­do­res dizem que uma redu­ção de pre­ço da pra­ti­ca­gem não vai che­gar ao cida­dão, não tem mui­to sen­ti­do essa dis­cus­são. Já a alta do fre­te marí­ti­mo, que quin­tu­pli­cou duran­te a pan­de­mia, essa sim afe­ta o con­su­mi­dor. Querem mobi­li­zar uma agên­cia (Antaq) que evo­luiu bas­tan­te, é ver­da­de, mas já tem mui­to tra­ba­lho a fazer, enquan­to a pró­pria Marinha pode aper­fei­ço­ar o mode­lo atu­al. Nossas dores são outras, como as cobran­ças abu­si­vas que os arma­do­res fazem do dono da carga.

A audi­ên­cia públi­ca foi rea­li­za­da pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, que já havia tra­ta­do do tema na aná­li­se de outro pro­je­to, o PL 2149/2015, assim como o fez a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. Também par­ti­ci­pa­ram repre­sen­tan­tes dos arma­do­res, dos pro­du­to­res, da Antaq, da Marinha, do Ministério da Infraestrutura e do Tribunal de Contas da União.