PRATICAGEM APOIA APROVAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

O Conselho Nacional de Praticagem rea­li­zou, no dia 6 de dezem­bro, em Brasília, o Seminário Internacional Praticagem do Brasil – Convenções inter­na­ci­o­nais, aci­den­tes e suas con­sequên­ci­as. O even­to cha­mou a aten­ção para qua­tro con­ven­ções de res­pos­ta a aci­den­tes com gran­des navi­os das quais o Brasil não é sig­na­tá­rio. Esses ins­tru­men­tos garan­tem agi­li­da­de e recur­sos para remo­ver des­tro­ços e com­ba­ter a polui­ção. O Brasil assi­nou um deles, ten­do direi­to a US$ 8,9 milhões em caso de aci­den­te ape­nas com petro­lei­ro. O valor não cobre nem a mul­ta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O regi­me assi­na­do pelo país foi a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição de Óleo (CLC), em 1969, cri­a­da após o aci­den­te com o petro­lei­ro Torrey Canyon dois anos antes, na cos­ta da Grã-Bretanha. A embar­ca­ção trans­por­ta­va 119.328 tone­la­das de óleo cru. Foi a pri­mei­ra gran­de catás­tro­fe envol­ven­do um navio-tanque.

Até então, as con­ven­ções inter­na­ci­o­nais eram vol­ta­das para pre­ven­ção, não havia meca­nis­mos de res­pos­ta e dis­cus­são sobre res­pon­sa­bi­li­da­des na repa­ra­ção de danos, lem­brou o sócio do Kincaid Mendes Vianna Advogados, Iwam Jaeger.

O Brasil incor­po­rou a CLC-69, mas não ade­riu à CLC de 1992 e aos fun­dos de com­pen­sa­ção com­ple­men­ta­res, apli­ca­dos quan­do os limi­tes de inde­ni­za­ção são extra­po­la­dos. Apenas cin­co Estados par­te da CLC-69 não inte­gram a CLC-92: Brasil, Cazaquistão, Guiné Equatorial, Líbia e São Tomé e Príncipe.

A par­tir da CLC-92, os limi­tes de com­pen­sa­ção aumen­ta­ram 641%. Além dis­so, a con­ven­ção tam­bém é apli­cá­vel ao der­ra­ma­men­to do óleo com­bus­tí­vel (bun­ker) do petro­lei­ro e à zona econô­mi­ca exclu­si­va, onde estão todos os cam­pos de explo­ra­ção e pro­du­ção de petró­leo no Brasil. Já a CLC-69 se apli­ca somen­te ao óleo enquan­to car­ga e ao mar ter­ri­to­ri­al (12 milhas náu­ti­cas do continente).

– Em 2019, a CLC teria garan­ti­do aces­so ime­di­a­to a mais de US$ 1 bilhão para arcar com as des­pe­sas da polui­ção do óleo der­ra­ma­do nas prai­as do Nordeste – res­sal­tou o pre­si­den­te da Praticagem do Brasil e vice-pre­si­den­te da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), prá­ti­co Ricardo Falcão.

Os recur­sos para cober­tu­ra de danos são pro­ve­ni­en­tes de segu­ro com­pul­só­rio sobre os petro­lei­ros dos paí­ses sig­na­tá­ri­os e dos clu­bes de P&I (asso­ci­a­ções inter­na­ci­o­nais de segu­ro mútuo para pro­pri­e­tá­ri­os de navi­os-tan­que). Portanto, são as empre­sas que con­tri­bu­em, não os Estados. Segundo a dire­to­ra asso­ci­a­da da Britannia P&I, Michaela Domijan-Arneri, 90% dos petro­lei­ros estão ali­nha­dos com as convenções.

A ado­ção da CLC-92 pas­sa por apro­va­ção do Senado Federal e con­fir­ma­ção pos­te­ri­or da Presidência da República. Em novem­bro de 2022, o Senado rece­beu pare­ce­res favo­rá­veis à assi­na­tu­ra dos minis­té­ri­os das Relações Exteriores, da Defesa, da Economia e do Meio Ambiente.

Outras três impor­tan­tes con­ven­ções das quais o Brasil não é sig­na­tá­rio foram tra­ta­das no semi­ná­rio. Para lidar com a polui­ção de outros pro­du­tos, como quí­mi­cos, áci­dos, gases lique­fei­tos e fer­ti­li­zan­tes, sur­giu a Convenção Internacional sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Relativos ao Transporte por Mar de Substâncias Potencialmente Perigosas e Nocivas (HNS), em 1996. O tema foi abor­da­do pelo assis­ten­te jurí­di­co sêni­or da Organização Marítima Internacional (IMO), Jan de Boer.

Em 2001, veio a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados pela Poluição por Combustíveis de Navios (Bunker). Ela se apli­ca ao der­ra­ma­men­to de com­bus­tí­vel de todo tipo de navio, exce­to os petro­lei­ros, alvo da CLC.

Já para pre­en­cher a lacu­na em rela­ção aos res­tos da embar­ca­ção, ado­tou-se a Convenção Internacional sobre Remoção de Destroços no Mar (Convenção de Nairobi), em 2007. O obje­ti­vo foi ace­le­rar a remo­ção de nau­frá­gi­os, pois uma embar­ca­ção que vai ao fun­do pode se tor­nar um peri­go para a nave­ga­ção e o meio ambi­en­te. Na prá­ti­ca, ela tam­bém tor­na os arma­do­res res­pon­sá­veis e for­ne­ce as bases legais para os paí­ses remo­ve­rem destroços. 

Jan de Boer (IMO) men­ci­o­nou o caso do petro­lei­ro Texaco Caribbean, que foi atin­gi­do por um car­guei­ro e afun­dou, em 1971. Apesar da sina­li­za­ção do aci­den­te, no dia seguin­te, um navio se cho­cou com os des­tro­ços e tam­bém foi ao fun­do. E, mes­mo com o refor­ço na sina­li­za­ção, naque­le mes­mo mês, outra embar­ca­ção coli­diu com o que sobrou do Texaco Caribbean, ten­do o mes­mo des­ti­no. No total, 51 pes­so­as mor­re­ram. A reti­ra­da dos três navi­os levou 18 meses. 

No Brasil, o caso mais recen­te foi o do navio Haidar, em 2015. Até hoje, a embar­ca­ção não foi remo­vi­da do fun­do do Rio Pará. O nau­frá­gio com uma car­ga viva de bois cau­sou gra­ves impac­tos sani­tá­ri­os, soci­ais e ambi­en­tais para a popu­la­ção ribeirinha.

Outro caso emble­má­ti­co apre­sen­ta­do duran­te o semi­ná­rio, rela­ci­o­na­do à polui­ção ambi­en­tal, foi o do Exxon Valdez, no Alasca, em 1989. Para nave­gar em uma região à épo­ca de pra­ti­ca­gem facul­ta­ti­va, o prá­ti­co não foi requi­si­ta­do. A embar­ca­ção enca­lhou rom­pen­do oito tan­ques de car­ga e vazan­do 38 mil tone­la­das de óleo cru. Apesar de ser o 35º aci­den­te do mun­do em volu­me der­ra­ma­do, esse foi o que pro­vo­cou o mai­or dano a um ecos­sis­te­ma, con­tou o con­sul­tor da Associação das Empresas de Petróleo, Gás, Biocombustíveis e Energia Renovável da América Latina e do Caribe (Arpel), Marcus Lisbôa:

– Em pou­cos dias, o óleo per­cor­reu 2.200 quilô­me­tros, dis­tân­cia entre Rio de Janeiro (RJ) e Natal (RN). O cus­to de lim­pe­za foi equi­va­len­te à com­pra de 40 navi­os novos. Dez anos depois, havia resquí­ci­os da poluição.

O sinis­tro levou ao Oil Pollution Act (OPA-90) – regi­me de res­pon­sa­bi­li­za­ção dos Estados Unidos – e ao sur­gi­men­to do cas­co duplo nos navi­os, que bus­ca evi­tar ava­ri­as nos tanques.

De 1970 a 2023, a Federação Internacional de Armadores de Navios Petroleiros para Poluição (ITOPF) atu­ou em mais de 850 inci­den­tes em cem paí­ses, média de 15 vazamentos/ano. A enti­da­de sem fins lucra­ti­vos foi cri­a­da, em 1968, logo após o aci­den­te com o Torrey Canyon, para admi­nis­trar um fun­do de com­pen­sa­ção às víti­mas. Atualmente, dá acon­se­lha­men­to téc­ni­co e apoio em der­ra­ma­men­tos, sen­do finan­ci­a­da pela indús­tria marí­ti­ma glo­bal. A ITOPF for­ne­ce as ori­en­ta­ções sobre a admis­si­bi­li­da­de dos pedi­dos de indenização.

– Todas as rei­vin­di­ca­ções devem ser sus­ten­ta­das em fatos e docu­men­ta­ção de apoio, bus­can­do sem­pre acon­se­lha­men­to pré­vio de espe­ci­a­lis­tas do P&I, dos Fundos e do ITOPF. Se todos esti­ve­rem na mes­ma pági­na, tudo cor­re mais rapi­da­men­te – expli­cou o con­sul­tor téc­ni­co sêni­or da ins­ti­tui­ção, Duarte Soares, citan­do um exem­plo. – Só um navio na Coréia do Sul, que der­ra­mou 12 mil tone­la­das, pro­vo­cou 128 mil rei­vin­di­ca­ções. Foram pagos qua­se £ 280 milhões.

O pre­si­den­te da Praticagem do Brasil sali­en­tou que não exis­te país cos­tei­ro que con­si­ga dar garan­tia de que não have­rá um gran­de aci­den­te em suas águas:

– A comu­ni­da­de inter­na­ci­o­nal desen­vol­veu diver­sos ins­tru­men­tos que nos per­mi­tem lidar com essas situ­a­ções. Não pode­mos rece­ber US$ 8,9 milhões enquan­to o mes­mo aci­den­te inde­ni­za US$ 300 milhões na Argentina e US$ 1 bilhão na Guiana Francesa. Esperamos que o deba­te con­ti­nue no Legislativo, com o apoio de enti­da­des como a Marinha do Brasil e a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).

Demais assun­tos

O Seminário Internacional Praticagem do Brasil teve mais temas em pau­ta. O vice-pre­si­den­te sêni­or da Associação Europeia de Práticos Marítimos (Empa), prá­ti­co Miguel Castro, apre­sen­tou a enti­da­de e como fun­ci­o­na o sis­te­ma de pra­ti­ca­gem no con­ti­nen­te euro­peu, sem con­cor­rên­cia entre práticos: 

– Na Europa, tive­mos dois paí­ses em que a con­cor­rên­cia não cor­reu bem. Na Romênia, cri­a­ram qua­tro empre­sas em 2017. A gran­de mai­o­ria dos prá­ti­cos não tinha qual­quer tipo de for­ma­ção, eram apo­sen­ta­dos ou coman­dan­tes de féri­as. A teo­ria era quan­to mais prá­ti­cos melhor. Mas fal­ta­ram equi­pa­men­tos e os pre­ços subi­ram até três vezes, por­que foi pre­ci­so qua­dru­pli­car inves­ti­men­tos em cen­tros de ope­ra­ções, lan­chas e trei­na­men­to. Em 2022, o país recu­ou. Na Dinamarca, no mes­mo ano, um rela­tó­rio do Parlamento cons­ta­tou que a con­cor­rên­cia não trou­xe qual­quer van­ta­gem. Ao con­trá­rio, hou­ve per­da de efi­ci­ên­cia de 9% des­de 2013.

O dire­tor da Antaq, Alber Furtado, por sua vez, abor­dou a estru­tu­ra e o papel da agên­cia, res­pon­sá­vel pela regu­la­ção dos ser­vi­ços de trans­por­te aqua­viá­rio e da explo­ra­ção da infra­es­tru­tu­ra por­tuá­ria e hidro­viá­ria. Ele infor­mou que no país são 226 ter­mi­nais de uso pri­va­do (TUPs), 35 por­tos públi­cos e 144 ter­mi­nais arren­da­dos den­tro des­ses por­tos. Além dis­so, a Antaq regu­la e auto­ri­za 1.200 empre­sas bra­si­lei­ras de navegação.

Desde 2007, a agên­cia repre­sen­ta o Brasil na Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Aquaviário (Pianc). Este ano, a Antaq apoi­ou a cri­a­ção da seção naci­o­nal da Pianc. O vice-pre­si­den­te para Américas da enti­da­de, Calvin Creech, apon­tou o que faz a asso­ci­a­ção, como pro­du­zir os rela­tó­ri­os téc­ni­cos para ori­en­tar o pla­ne­ja­men­to portuário. 

O che­fe da Assessoria de Relações Internacionais da Antaq, Alexandre Dal Fior, dis­se que, com a ins­ti­tui­ção da seção naci­o­nal, os mem­bros bra­si­lei­ros podem par­ti­ci­par dos comi­tês res­pon­sá­veis pela ela­bo­ra­ção das dire­tri­zes inter­na­ci­o­nais da Pianc, tra­zen­do a pers­pec­ti­va do país. O Instituto Praticagem do Brasil é um dos asso­ci­a­dos da seção.

O semi­ná­rio inter­na­ci­o­nal inte­grou a pro­gra­ma­ção do 45º Encontro Nacional de Praticagem e con­tou com a pre­sen­ça de repre­sen­tan­tes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Entre eles, esti­ve­ram o sena­dor Lucas Barreto (AP); os depu­ta­dos Luiz Carlos Hauly (PR), Coronel Meira (PE) e Augusto Coutinho (PE), este de for­ma onli­ne; a minis­tra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Morgana de Almeida; e o coor­de­na­dor de Atendimento e Emergências Ambientais do Ibama, Marcelo de Amorim. 

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Vídeo do semi­ná­rio — segun­do dia do 45º ENP:

Vídeo do pri­mei­ro dia do 45º ENP: