CÂMARA FEDERAL DEBATE PROJETOS DE LEI SOBRE PRATICAGEM
A Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara realizou audiência pública, na quinta-feira (31/08), sobre os projetos de lei que tratam de regulação da praticagem. A discussão na Casa foi retomada com a chegada do Projeto de Lei 877/2022, aprovado por unanimidade no Senado.
A excelência do serviço foi elogiada por todos. O debate girou em torno da regulação econômica. A Praticagem do Brasil e outros atores defendem sua manutenção com a Marinha do Brasil, enquanto entidades ligadas a armadores e terminais propõem a regulação de casos excepcionais de discordância de preço pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), sem tabelamento.
A atividade é privada e, no Brasil, praticamente 100% das manobras ocorrem sob acordos comerciais das empresas de praticagem com os armadores. Nas raras situações em que há impasse na negociação, existe previsão legal para a Marinha fixar o preço em caráter temporário. O presidente da Praticagem do Brasil, prático Ricardo Falcão, apresentou um levantamento comprovando que a Marinha vem cumprindo o seu papel de regular a parte técnica e econômica:
– Quando dizem que não há com quem reclamar, trago aqui dezenas de publicações da Marinha, no Diário Oficial da União, sobre preços de praticagem no período de 2001 a 2019. A Autoridade Marítima age por provocação. Quando houve desequilíbrio, ela nunca se furtou a fazer o seu trabalho. Esses são apenas alguns exemplos. Nunca foi questionada a capacidade da Marinha de determinar o preço. Não há vácuo.
Segundo Falcão, a relação com os tomadores de serviço já é pacificada por meio de acordos com representantes de armadores e deve-se tomar muito cuidado em discussões regulatórias:
– Existe no Brasil um processo muito forte de verticalização. E quem quer verticalizar deseja ser dono da cadeia inteira, do caminhão, do terminal, do navio, do agente marítimo, da carga… Quem representa essas associações no Brasil não preserva o interesse dos brasileiros, e sim o de grandes traders.

As manobras entre os práticos no país são distribuídas igualmente por meio de uma escala de rodízio única, para atender a critérios de segurança da navegação, entre eles a autonomia do prático para tomar sempre a decisão mais segura a bordo, sem pressão comercial do armador. O diretor-presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), almirante Murillo Barbosa, disse compreender as razões da Marinha quando instituiu a escala, mas afirmou:
– Realmente entendemos que (a escala) é uma coisa que prejudica o serviço, porque precisamos criar um vínculo de confiança muito grande entre comandante, que é o responsável pela manobra e pelo navio (preposto do armador), e prático.
O vice-presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca, explicou minimamente os pilares do serviço e por que o armador não pode contratar o prático diretamente:
– Simplesmente porque a gente deve atender ao interesse público, que é garantir a segurança da navegação. O prático é um recurso disponível do Estado. Não pode haver relação patronal entre tomador e prestador do serviço. Não podemos verticalizar a segurança da navegação.
Ele citou ainda investimentos da praticagem que reduzem o Custo Brasil e favorecem o agronegócio por meio de maior carregamento das embarcações, entre eles a batimetria (levantamento das profundidades) e o sistema de calado dinâmico na Amazônia. Além disso, questionou o motivo de toda discussão sobre preço, apresentando dados de estudo do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), referência em análises no setor portuário:
– O estudo verificou o contrato mais caro da praticagem em Santos (SP) e a soja exportada de Sorriso (MT) para Roterdã (HOL). O valor da praticagem por tonelada é R$ 0,66. É menos que uma moeda de 25 centavos de dólar. É isso que estamos discutindo. E não vou nem falar dos porta-contêineres em que o valor da carga transportada é muito mais alto.

O presidente da Federação Nacional dos Práticos, prático Gustavo Martins, lembrou que a decisão do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 1961, de tornar a praticagem privada, pautada na negociação de preços, permitiu o crescimento da atividade, com investimentos também em qualificação de práticos e operadores das estações de praticagem:
– Isso trouxe um serviço de primeiro mundo, sem custos para o poder público.
O advogado Osvaldo Agripino, doutor em Direito e ex-oficial da Marinha Mercante, defendeu que a regulação econômica da atividade continue com a Marinha:
– Falaram pouco sobre regulação social e estamos lidando com um valor que é a segurança da navegação, a proteção ao meio ambiente marinho e à vida humana no mar. A Antaq não faz regulação social. Sobre a discussão de transferir para a Antaq a regulação econômica, ela vem sendo feita pela Autoridade Marítima em quase todo o mundo. Estamos tratando da alteração de uma política pública do Estado sem evidências empíricas que a justifiquem. A teoria da regulação social diz que, se não for para causar externalidades positivas, não se deve fazer intervenção regulatória, pois vai prejudicar o setor.
O presidente da Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística (Logística Brasil), André de Seixas, foi outro que defendeu a manutenção de toda a regulação com a Marinha:
– Uma coisa (parte técnica) é muito dependente da outra (econômica). A Antaq tem que regular serviço de transporte. Praticagem é segurança da navegação. Se há casos em que é necessária regulação econômica, que se faça no âmbito da competência da Marinha. Uma vez nessa Casa, o então diretor-geral da Antaq foi questionado sobre o quanto o frete marítimo seria reduzido caso o valor da praticagem fosse menor. Ele disse que não haveria certeza de nada, porque o frete é de livre negociação no mercado.
O deputado Paulo Fernando (Republicanos-DF) perguntou como se comportou o frete e o preço da praticagem durante a pandemia. O diretor-presidente da ATP respondeu:
– Como o frete tem liberdade de preço, houve um grande aumento por várias razões, mas já voltou a patamares pré-pandemia.
O presidente da Logística Brasil se manifestou sobre o tema:
– Tivemos empresas de navegação no período com lucro de até 14.000% e não recebi notícias de reajustes da praticagem que chegassem perto desse absurdo.
O presidente da Federação Nacional dos Portuários, Eduardo Guterra, ponderou que a praticagem é estratégica, pois mais de 90% das mercadorias passam pelos portos, e por isso requer um debate profundo e equilibrado:
– Penso que não devemos colocar em discussão que mexer nos ganhos dos práticos será bom para o Brasil. Já vimos esse filme. Não é ser antagônico, temos que ter os pés no chão para não cometer injustiças. A Federação se alinha com o que for melhor para os práticos que operam em nosso país, muitas vezes em condições difíceis. Só para citar um exemplo: já viram a dificuldade que é um navio entrar no Porto de Vitória? É preciso uma pessoa preparadíssima para assumir essa responsabilidade de conduzir a embarcação.
A audiência pública foi conduzida pelo deputado Coronel Meira (PL-PE). Representantes das seguintes entidades também participaram: Marinha; Antaq; Ministério de Portos e Aeroportos; Ministério Público do Trabalho; Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave); Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac); Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Clia Brasil); Confederação Nacional da Indústria (CNI); Confederação Nacional do Transporte (CNT); e Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).