215 Anos De Praticagem Regulamentada E 48 Anos Do Conapra

“Profissão que remon­ta à Antiguidade, a pra­ti­ca­gem teve os pri­mei­ros regis­tros his­tó­ri­cos no Brasil no fim do sécu­lo 18. O gran­de mar­co da ati­vi­da­de, porém, foi a data de 12 de junho de 1808, quan­do Dom João VI publi­cou o pri­mei­ro decre­to regu­lan­do o ser­vi­ço. Foi o segun­do decre­to real após a vin­da da Corte por­tu­gue­sa para o país. O monar­ca tinha a pre­o­cu­pa­ção com o ris­co de entra­da e saí­da de navi­os após o decre­to de aber­tu­ra dos por­tos às nações amigas.

Desde o iní­cio, por­tan­to, per­ce­beu-se a essen­ci­a­li­da­de do ser­vi­ço, não ape­nas para pro­te­ger o comér­cio marí­ti­mo e as regiões econô­mi­cas que depen­dem de um por­to, mas tam­bém a vida e o meio ambiente.

Ao con­du­zir navi­os sem aci­den­tes, evi­ta­mos mor­tes, a polui­ção hídri­ca e o desa­bas­te­ci­men­to da popu­la­ção. Em 2019, vimos a tra­gé­dia que um vaza­men­to de óleo em alto-mar pro­vo­cou nas prai­as do Nordeste. Operamos em ter­mi­nais de com­bus­tí­veis ins­ta­la­dos em paraí­sos como Ilha Grande (RJ) e Ilhabela (SP) ou de fren­te para prai­as turís­ti­cas como a de Mucuripe (CE). Na Bahia, são diver­sas as comu­ni­da­des etno­cul­tu­rais que man­têm o seu modo de vida rela­ci­o­na­do aos recur­sos do mar. A Amazônia é outro exem­plo, onde ribei­ri­nhos, pes­ca­do­res e indí­ge­nas bebem e se ali­men­tam das águas dos rios. Somos essen­ci­ais por lei fede­ral por­que esses valo­res da soci­e­da­de pre­ci­sam ser preservados. 

Após o decre­to real, vie­ram novos regu­la­men­tos da Marinha e a pra­ti­ca­gem fun­ci­o­nou liga­da ao apa­ra­to do Estado até 1961, ano em que Juscelino Kubitschek trans­fe­riu toda a cus­to­sa infra­es­tru­tu­ra neces­sá­ria à pres­ta­ção do ser­vi­ço aos prá­ti­cos. Foi outro divi­sor de águas, por­que a ati­vi­da­de pôde se orga­ni­zar e ofe­re­cer um ser­vi­ço de pri­mei­ra linha.

Até a Constituição de 1988, os prá­ti­cos esti­ve­ram reu­ni­dos em asso­ci­a­ções e, com essa deso­bri­ga­ção pela Carta Magna, pas­sa­ram a for­mar empre­sas. A Marinha, entre­tan­to, nun­ca dei­xou de ser o ente regu­la­dor téc­ni­co e econô­mi­co, pelo inte­res­se públi­co envolvido. 

Responsável por lei pela segu­ran­ça da nave­ga­ção, é ela quem dis­ci­pli­na o ser­vi­ço e sele­ci­o­na os prá­ti­cos para tra­ba­lhar na ini­ci­a­ti­va pri­va­da. E, gra­ças à sua boa regu­la­ção, o Brasil hoje repre­sen­ta o padrão de aten­di­men­to que todos bus­cam, não temos nenhum com­ple­xo de vira-lata nes­sa área. Há mui­tos anos, a Marinha cons­ti­tuiu uma repre­sen­ta­ção per­ma­nen­te em Londres, par­ti­ci­pan­do de todas as dis­cus­sões na Organização Marítima Internacional (IMO), de for­ma que o Brasil é um dos paí­ses mais evo­luí­dos em pra­ti­ca­gem. Nosso Curso de Atualização para Práticos (ATPR) foi o pri­mei­ro do mun­do e é refe­rên­cia internacional.

Em cada zona de pra­ti­ca­gem, esta­mos acos­tu­ma­dos a supe­rar desa­fi­os em um cená­rio de navi­os cada vez mai­o­res, por­tos com as mes­mas dimen­sões e infra­es­tru­tu­ra limi­ta­da. Para isso, vamos além da nos­sa mis­são, rea­li­zan­do uma série de inves­ti­men­tos pró­pri­os em prol da segu­ran­ça da nave­ga­ção e da efi­ci­ên­cia por­tuá­ria. Agregamos valor quan­do inves­ti­mos em estu­dos, trei­na­men­to e tec­no­lo­gi­as que con­tri­bu­em para ven­cer as limi­ta­ções por­tuá­ri­as que impac­tam o Custo Brasil. 

Nossas lan­chas de bati­me­tria são um exem­plo, iden­ti­fi­can­do asso­re­a­men­tos a fim de aler­tar Autoridades Portuárias e atu­a­li­zar as car­tas náu­ti­cas. Cartas desa­tu­a­li­za­das sig­ni­fi­ca­ri­am cala­dos mais con­ser­va­do­res, ou seja, mais navi­os seri­am neces­sá­ri­os para esco­ar a mes­ma carga.

O sis­te­ma de cala­do dinâ­mi­co é outra fer­ra­men­ta em que apor­ta­mos recur­sos e que indi­ca com mais pre­ci­são o cala­do segu­ro dos navi­os, ampli­an­do as jane­las de ope­ra­ção. Já o bali­za­men­to vir­tu­al pode pro­por­ci­o­nar um melhor apro­vei­ta­men­to da pro­fun­di­da­de do canal , com­pen­san­do a fal­ta de dra­ga­gem em alguns casos.

Outro inves­ti­men­to é na reno­va­ção das lan­chas que embar­cam o prá­ti­co no navio, per­mi­tin­do o embar­que em con­di­ções mais seve­ras de mar e man­ten­do o por­to ope­ran­do. Também inves­ti­mos mui­to na moder­ni­za­ção dos nos­sos cen­tros de ope­ra­ções, geran­do infor­ma­ções cada vez mais acu­ra­das para a efi­ci­ên­cia e segu­ran­ça das manobras.

O por­ta­ble pilot unit é mais um recur­so que auxi­lia a nos­sa toma­da de deci­são, prin­ci­pal­men­te nos gran­des navi­os. Trata-se de um apa­re­lho por­tá­til de nave­ga­ção ele­trô­ni­ca com ante­na inde­pen­den­te, que for­ne­ce dados mais pre­ci­sos do que os equi­pa­men­tos de bor­do. A pra­ti­ca­gem apoi­ou o desen­vol­vi­men­to de um PPU naci­o­nal na Universidade de São Paulo (USP).

Por exi­gên­cia IMO, outro inves­ti­men­to con­si­de­rá­vel é o trei­na­men­to em navi­os em esca­la redu­zi­da. São mode­los tri­pu­la­dos que repro­du­zem o com­por­ta­men­to das gran­des embar­ca­ções em lagos, com os mes­mos efei­tos hidrodinâmicos.

Também trei­na­mos em simu­la­do­res ele­trô­ni­cos. Quatro pra­ti­ca­gens já dis­põem de equi­pa­men­tos pró­pri­os em suas sedes e, há pou­co mais de um ano, implan­ta­mos um cen­tro de últi­ma gera­ção no Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília. Trouxemos a fer­ra­men­ta para per­to das auto­ri­da­des que deci­dem sobre pro­je­tos aqua­viá­ri­os e por­tuá­ri­os no país, com o intui­to de agi­li­zar novas ope­ra­ções com segurança. 

Todos esses inves­ti­men­tos pos­si­bi­li­tam que os navi­os car­re­guem mais e demo­rem menos tem­po para entrar nos por­tos e sair deles. No que está ao nos­so alcan­ce, não fica­mos para­dos à espe­ra de soluções.

No futu­ro, a des­pei­to de todos os avan­ços tec­no­ló­gi­cos na nave­ga­ção, con­ti­nu­a­mos enxer­gan­do o valor do capi­tal huma­no como impres­cin­dí­vel para man­ter a mar­gem de segu­ran­ça no setor, de 99,998%. Seguiremos defen­den­do o nos­so mode­lo de pra­ti­ca­gem, capa­ci­tan­do os nos­sos prá­ti­cos no mais alto nível e sen­do par­cei­ros para dri­blar os gar­ga­los que afe­tam o usuá­rio do por­to, o dono da car­ga. Em 215 anos, jamais fomos cri­ti­ca­dos em nos­sa capa­ci­da­de téc­ni­ca e de entre­ga do ser­vi­ço. Somos refe­rên­cia e moti­vo de orgu­lho para a sociedade.”

Prático Ricardo Falcão, pre­si­den­te da Praticagem do Brasil e vice-pre­si­den­te da Associação Internacional de Práticos Marítimos