(Re) pensar o modelo de regulação do armador estrangeiro e seus intermediários

conapra

Todos sabe­mos que os usuá­ri­os bra­si­lei­ros do trans­por­te marí­ti­mo inter­na­ci­o­nal pagam a sobre-esta­dia de con­têi­ner mais cara do mun­do e mais de 20 (vin­te) tipos de pre­ços extra-fre­te, assim como ser­vi­ços sem nota fis­cal do arma­dor estran­gei­ro, como a THC (que é ser­vi­ço por­tuá­rio, mas é cobra­do do usuá­rio pelo arma­dor). Além dis­so, o Brasil ocu­pa o 135 ͦ lugar em ter­mos de com­pe­ti­ti­va­de na logís­ti­ca, em um con­jun­to de 144 paí­ses (World Report, 2013).

Tudo isso ain­da ocor­re sem qual­quer con­tro­le do Estado bra­si­lei­ro, diga-se Antaq, que é a agên­cia seto­ri­al responsável.

Criada em junho de 2001, pela Lei n. 10.233/2001, jun­ta­men­te com o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes (Conit), que é com­pe­ten­te para coor­de­nar e resol­ver os pro­ble­mas dos modais rodo­viá­rio, fer­ro­viá­rio e aqua­viá­rio, decor­ri­dos cer­ca de 15 anos, Antaq e Conit ain­da não fize­ram as mudan­ças neces­sá­ri­as para redu­zir cus­tos e pro­ver infra-estru­tu­ra efi­ci­en­te para os usuá­ri­os brasileiros.

Afinal, quem é o res­pon­sá­vel? O mode­lo de regu­la­ção? O usuá­rio, que paga tais cus­tos nas pra­te­lei­ras do super­mer­ca­do, nas far­má­ci­as e nas lojas do comér­cio, é omis­so e igno­ran­te sobre as pos­si­bi­li­da­des de aper­fei­ço­ar o setor e redu­zir os seus cus­tos? É urgen­te, por­tan­to, re(pensar) o mode­lo de regu­la­ção da empre­sa estran­gei­ra de nave­ga­ção (EEN).

Como a logís­ti­ca é com­ple­xa, não há, con­tu­do, expli­ca­ção mono­cau­sal para tais pro­ble­mas, mas pos­so afir­mar que o mode­lo atu­al de regu­la­ção, ao insis­tir em dei­xar fora do con­tro­le do Estado bra­si­lei­ro a EEN e o seu agen­te inter­me­diá­rio (NVOCC, agen­te marí­ti­mo, agen­te de car­ga), con­tri­bui sobremaneira.

Esse ambi­en­te des­re­gu­la­do, onde as empre­sas ali­e­ní­ge­nas, qua­se 100% regis­tra­das em paí­ses que ven­dem suas ban­dei­ras, como Libéria, Panamá, Ilhas Marshall, Vanuatu, den­tre outros, aqui ditam as regras do mercado.

Isso se dá por­que o regu­la­dor (Antaq), em que pese ten­tar edi­tar um Regulamento Marítimo (Res. 4271/2015) que as dei­xa de fora, assim como seus agen­tes inter­me­diá­ri­os, ain­da não sabe o que tais empre­sas fazem, o que cobram do usuá­rio e nem as pune. É urgen­te, por­tan­to, equi­li­brar esse setor.

Com essa polí­ti­ca, a Antaq está aca­ban­do com uma fer­ra­men­ta fun­da­men­tal para aju­dar o Brasil a sair da cri­se em que se encon­tra: aumen­tar a com­pe­ti­ti­vi­da­de dos pro­du­tos do comér­cio exterior.

Ademais, esse ambi­en­te ins­ti­tu­ci­o­nal tem cau­sa­do gran­de inse­gu­ran­ça jurí­di­ca, pre­ços abu­si­vos e ris­cos para a nave­ga­ção segu­ra nos por­tos bra­si­lei­ros. Afinal, tais arma­do­res, na bus­ca do aumen­to do lucro (que é legí­ti­mo, mas deve ser módi­co), amplia a capa­ci­da­de dos seus navi­os, mas não “con­ver­sam” com o gover­no bra­si­lei­ro nem com aque­les que mano­bram os seus navi­os: os práticos.

Essa cate­go­ria de pro­fis­si­o­nais, alta­men­te capa­ci­ta­dos, tem sido cri­ti­ca­da pelos arma­do­res. Ironicamente, é por estes deman­da­da, toda­via, não for­ne­cem aos prá­ti­cos qual­quer recur­so públi­co ou pri­va­do para pro­ver tal infraestrutura.

Mesmo assim, os prá­ti­cos de Santos inves­ti­ram qua­se R$ 10 milhões para cons­truir um cen­tro de con­tro­le para melho­rar a segu­ran­ça da nave­ga­ção. Esses pro­fis­si­o­nais, segun­do dados da Autoridade Marítima (Marinha do Brasil), efe­tu­a­ram 83.000 mano­bras nos por­tos basi­lei­ros em 2014, mas teve somen­te 4 aci­den­tes (sem que o prá­ti­co neces­sa­ri­a­men­te tenha sido o res­pon­sá­vel). É o mes­mo índi­ce de segu­ran­ça dos EUA e Japão.

Sobre a fal­ta de regu­la­ção efi­caz para garan­tir o inte­res­se públi­co no setor, não há dúvi­da que isso ocor­re, em par­te, pelo mode­lo de regu­la­ção da EEN’s e dos seus intermediários.

Assim, essa debi­li­da­de ins­ti­tu­ti­ci­o­nal (por incom­pe­tên­cia, ide­o­lo­gia ou cap­tu­ra) con­tri­bui para a ine­xis­tên­cia de polí­ti­ca de Marinha Mercante e a ine­fi­cá­cia do mode­lo de regu­la­ção do arma­dor estran­gei­ro, e pro­vo­ca exter­na­li­da­des nega­ti­vas na Comunidade Marítima, espe­ci­al­men­te usuá­ri­os e práticos.

Quais seri­am as cau­sas? Crise de lide­ran­ça, sis­te­ma polí­ti­co sem opo­si­ção pro­po­si­ti­va e deba­te pros­pec­ti­vo? O Congresso Nacional é incom­pe­ten­te para resol­ver os pro­ble­mas do país?
Douglass North, his­to­ri­a­dor da eco­no­mia e Prêmio Nobel de Economia em 1993, no seu tex­to Sources of Productivity Change in Ocean Shipping, 1600–1850, encon­tra um resul­ta­do curi­o­so: “o aumen­to da pro­du­ti­vi­da­de da indús­tria de trans­por­te oceâ­ni­co no perío­do ana­li­sa­do decor­reu mui­to mais de ino­va­ções e evo­lu­ções ins­ti­tu­ci­o­nais, entre as quais a redu­ção da pira­ta­ria, do que das mudan­ças na tec­no­lo­gia de trans­por­te. Uma evo­lu­ção ins­ti­tu­ci­o­nal pare­ceu ser mais impor­tan­te do que uma evo­lu­ção tecnológica.”
Para regu­lar os arma­do­res estran­gei­ros e bra­si­lei­ros, a nos­sa Constituição Federal men­ci­o­na que na orde­na­ção do trans­por­te inter­na­ci­o­nal, deve-se obser­var os acor­dos fir­ma­dos pela União, aten­di­do o prin­cí­pio da reciprocidade.

Além dis­so, cabe à ANTAQ cabe “super­vi­si­o­nar a par­ti­ci­pa­ção de empre­sas bra­si­lei­ras e estran­gei­ras na nave­ga­ção de lon­go cur­so, em cum­pri­men­to aos tra­ta­dos, con­ven­ções, acor­dos e outros ins­tru­men­tos inter­na­ci­o­nais dos quais o Brasil seja signatário”.

Nesse pas­so, o art. 32 da Lei da Antaq deter­mi­na que essa agên­cia regu­la­do­ra deve com­pa­nhar as ati­vi­da­des dos ope­ra­do­res estran­gei­ros que atu­am no trans­por­te inter­na­ci­o­nal com o Brasil, visan­do a iden­ti­fi­car prá­ti­cas ope­ra­ci­o­nais, legis­la­ções e pro­ce­di­men­tos, ado­ta­dos em outros paí­ses, que res­trin­jam ou con­fli­tem com regu­la­men­tos e acor­dos inter­na­ci­o­nais fir­ma­dos pelo Brasil.

Para tan­to, pode­rá soli­ci­tar escla­re­ci­men­tos e infor­ma­ções e, ain­da, noti­fi­car os agen­tes e repre­sen­tan­tes legais dos ope­ra­do­res que este­jam sob aná­li­se e apli­car, con­for­me o caso, san­ções, na for­ma pre­vis­ta na legis­la­ção bra­si­lei­ra e nos regu­la­men­tos e acor­dos internacionais.

Segundo dados da Unctad (2014), os cator­ze paí­ses com os quais o Brasil pos­sui acor­dos bila­te­rais no trans­por­te marí­ti­mo inter­na­ci­o­nal repre­sen­tam somen­te 7,55% da fro­ta mun­di­al de navi­os. Nesse gru­po, há paí­ses com fro­ta inex­pres­si­va como Polônia (0,167%), Portugal (0,056%), Romênia (0,062%) e Uruguai (0,007%).

Pergunta-se: E os navi­os das demais ban­dei­ras que ope­ram no Brasil, ou seja, 92,45 % da tpb? Operam legal­men­te? Cabe, ain­da, men­ci­o­nar que 72% da tpb mun­di­al está regis­tra­da em paraí­sos fis­cais, ou seja, ban­dei­ras de (in)conveniência.

Nesse cená­rio, de for­ma con­trá­ria ao inte­res­se públi­co, a Antaq, ao jul­gar recur­so do Site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro (www.uprj.com.br), que reque­reu as outor­gas de auto­ri­za­ção das empre­sas estran­gei­ras de nave­ga­ção, por meio do Acórdão n. 64/2015 – DOU 3.07.2015, indeferiu‑o sob o fun­da­men­to equi­vo­ca­do que tal con­tro­le já era fei­to por meio dos tra­ta­dos acima.

Essa pos­tu­ra da Antaq, que insis­te em des­cum­prir a Constituição Federal, tem cau­sa­do vári­os pro­ble­mas, den­tre os quais: a) ine­xis­tên­cia de polí­ti­ca de Marinha Mercante; b) vio­la­ção da iso­no­mia entre EBN’s e as EEN’s; c) eva­são enor­me de divi­sas; d) per­da de sobe­ra­nia no comér­cio exte­ri­or; e) cus­tos abu­si­vos; f) per­da da com­pe­ti­ti­vi­da­de dos pro­du­tos bra­si­lei­ros; g) difi­cul­da­de de exe­cu­ção de dívi­das e h)sonegação fiscal.

Além dis­so, deve-se res­sal­tar que em 2013 foram gas­tos US$ 6,4 bilhões com afre­ta­men­to de navi­os estran­gei­ros. Tal quan­tia pode­ria com­prar 100 navi­os de U$ 64 milhões por ano. Em cin­co anos sería­mos o mai­or arma­dor do mundo.

Por sua vez, os dados com gas­tos com afre­ta­men­tos auto­ri­za­dos por tipo de nave­ga­ção mos­tra que em 2013 foram pagos U$$ 1,25 bilhão.
Como não há regu­la­ção econô­mi­ca do fre­te no Brasil, esses aumen­ta­ram 82% em 4 anos, e ine­xis­te registro/garantias dos pres­ta­do­res da cadeia logís­ti­ca. Ressalte-se que o mer­ca­do de trans­por­te de con­têi­ne­res é con­cen­tra­do e qua­tro empre­sas (Hamburg Sud, CMA-CGM, Maersk e MSC) trans­por­tam qua­se 70 % dos contêineres.

Sobre esse pro­ble­ma, ine­xis­ten­te na China, no Eua e na União Europeia, que moni­to­ram as ati­vi­da­des de tais arma­do­res, o que a Antaq tem fei­to? Há coo­pe­ra­ção entre o Cade e a Antaq?

Trata-se, por­tan­to, de ambi­en­te pro­pí­cio ao opor­tu­nis­mo, e que per­mi­te pre­ços abu­si­vos. Tal pos­tu­ra, caso não seja fei­ta uma gui­na­da de 180º pela Antaq, com­pro­me­te­rá, inclu­si­ve, os esfor­ços para redu­zir os cus­tos por­tuá­ri­os, que são o obje­ti­vo da refor­ma recen­te (Lei n. 12.815/2015), por­que as exter­na­li­da­des posi­ti­vas da redu­ção de cus­tos serão apro­pri­a­das (como já são) pelos arma­do­res e seus agentes.

Nesse sen­ti­do, é urgen­te que o gover­no bra­si­lei­ro, por meio da lide­ran­ça da nova Diretoria da Antaq: a) outor­gue auto­ri­za­ção à empre­sa estran­gei­ra de nave­ga­ção (iso­no­mia com as EBN’s), pela Antaq; b) cele­bre acor­dos bila­te­rais com os paí­ses das ban­dei­ras dos navi­os que ope­ram no Brasil, c) regis­tre, garan­ta e fis­ca­li­ze os agen­tes inter­me­diá­ri­os, espe­ci­al­men­te NVOCC’s e agen­tes de car­ga; d) defi­na os ser­vi­ços a serem cobra­dos; e) publi­que os ser­vi­ços e pre­ços cobra­dos; f) regis­tre e acom­pa­nhe os pre­ços cobra­dos pelos pres­ta­do­res de ser­vi­ços (arma­do­res e agen­tes inter­me­diá­ri­os) e, por fim, g) puna os usuá­ri­os que con­tra­ta­rem ser­vi­ços com EEN’s e agen­tes inter­me­diá­ri­os não registrados.

Somente assim, o usuá­rio terá Previsibilidade, Transparência e Modicidade nos ser­vi­ços pres­ta­dos no trans­por­te aqua­viá­rio regu­la­do pela Antaq.

Osvaldo Agripino — Advogado e Pós-Doutor em Regulação de trans­por­tes — Harvard University