Práticos homenageados com mais alto prêmio por bravura

Considerado o mais alto reco­nhe­ci­men­to da comu­ni­da­de marí­ti­ma mun­di­al, o Prêmio IMO por Bravura Excepcional no Mar, da Organização Marítima Internacional (IMO), foi con­ce­di­do este ano a dois prá­ti­cos bra­si­lei­ros. Marcio Santos Teixeira e Fábio Rodrigues Alves de Abreu evi­ta­ram um gra­ve aci­den­te com dois petro­lei­ros car­re­ga­dos que fica­ram à deri­va na tem­pes­ta­de que atin­giu São Sebastião (SP), em 28 de abril de 2019. Eles foram esco­lhi­dos entre 31 con­cor­ren­tes de 18 paí­ses e duas orga­ni­za­ções não gover­na­men­tais. O prê­mio será entre­gue na sede da IMO, em Londres, em data a ser marcada. 

“Como resul­ta­do das ações cora­jo­sas do prá­ti­co Teixeira e do prá­ti­co Abreu não se per­de­ram mais vidas, danos gra­ves às estru­tu­ras do cais e ins­ta­la­ções de petró­leo foram pre­ve­ni­dos e um inci­den­te que pode­ria gerar gran­de polui­ção mari­nha foi evi­ta­do”, afir­ma o docu­men­to do IMO que anun­ci­ou os vencedores.

Para o pre­si­den­te da Praticagem de São Paulo, Carlos Alberto de Souza Filho, a pre­mi­a­ção reve­la a impor­tân­cia da ati­vi­da­de como essen­ci­al para o inte­res­se público:

– Trabalhamos 24 horas por dia com qual­quer tem­po e em qual­quer con­di­ção, com a pri­o­ri­da­de de pre­ser­var a segu­ran­ça, aten­der a emer­gên­ci­as e garan­tir as ope­ra­ções. A pra­ti­ca­gem é uma ati­vi­da­de que envol­ve mui­tos ris­cos. Temos o conhe­ci­men­to, a téc­ni­ca, a cora­gem e a deter­mi­na­ção como prin­cí­pi­os bási­cos para o exer­cí­cio da pro­fis­são, como pro­va­ram nos­sos bra­vos práticos.

Das 31 indi­ca­ções para o prê­mio, uma divi­diu o pri­mei­ro lugar com os bra­si­lei­ros. Foi a do subo­fi­ci­al de segun­da clas­se Ralph Ofalla Barajan, da Guarda Costeira fili­pi­na, indi­ca­do pela lide­ran­ça, fora de ser­vi­ço, duran­te a inun­da­ção e nau­frá­gio do M/V Siargao Princess, no qual era pas­sa­gei­ro com 54 pessoas.

O prê­mio da IMO foi esta­be­le­ci­do, a par­tir de 2007, como reco­nhe­ci­men­to inter­na­ci­o­nal para aque­les que, sob o ris­co de per­der a pró­pria vida, rea­li­zam atos de bra­vu­ra excep­ci­o­nal, demons­tran­do cora­gem na ten­ta­ti­va de sal­var vidas no mar ou pre­ve­nir ou miti­gar danos ao meio ambi­en­te marinho.

Relembre a atu­a­ção da praticagem

Na tar­de de 28 de abril, as embar­ca­ções “Rio 2016” e “Milton Santos” – com 12m e 15m de cala­do – esta­vam atra­ca­das, uma a con­tra­bor­do da outra, em ope­ra­ção de trans­fe­rên­cia de óleo no Terminal Almirante Barroso, no Porto de São Sebastião, quan­do os cabos de amar­ra­ção se rom­pe­ram devi­do à for­te tem­pes­ta­de. Os ven­tos eram de até 70 nós e as ondas che­ga­vam a dois metros.

Por vol­ta das 17h, os prá­ti­cos Marcio Teixeira e Fábio Abreu foram aci­o­na­dos para aten­der à emer­gên­cia e embar­ca­ram na lan­cha da pra­ti­ca­gem. Quando con­se­gui­ram se apro­xi­mar, os navi­os já esta­vam à deri­va no meio do canal, em dire­ção à Ilhabela.

Marcio subiu a bor­do do “Rio 2016”. O embar­que de Fábio no “Milton Santos” foi mais arris­ca­do por­que, além das ondas e dos ven­tos, a esca­da de por­ta­ló (par­te do arran­jo de embar­que) foi des­truí­da, res­tan­do a esca­da de que­bra-pei­to. “Ter um prá­ti­co em cada navio foi essen­ci­al para a comu­ni­ca­ção e como pla­no de back-up”, des­ta­cou a IMO.

Ao che­gar no seu pas­sa­di­ço pri­mei­ro, Marcio veri­fi­cou que os navi­os ain­da esta­vam conec­ta­dos pelos man­go­tes de óleo. Naquele momen­to, dois rebo­ca­do­res já esta­vam amar­ra­dos ao “Rio 2016” e um ao “Milton Santos”. Um quar­to rebo­ca­dor foi amar­ra­do tam­bém ao “Rio 2016”. As duas embar­ca­ções foram, enfim, esta­bi­li­za­das pelos prá­ti­cos, com os pou­cos recur­sos dis­po­ní­veis nos navi­os e com o empre­go dos rebocadores.

Como não era pos­sí­vel fun­de­ar fora do canal, devi­do às pés­si­mas con­di­ções ambi­en­tais, e mui­to menos ali por cau­sa da exis­tên­cia de cabos sub­ma­ri­nos, eles deci­di­ram seguir para uma área de fun­deio no nor­te do canal. O “Rio 2016” foi rebo­can­do o “Milton Santos” a con­tra­bor­do a, no máxi­mo, um nó e meio de velo­ci­da­de, para evi­tar que os man­go­tes se desconectassem.

– O navio, na ver­da­de, nave­ga­va de lado. Mas mos­trei ao coman­dan­te, nas telas, que era o que tínha­mos que fazer e fomos tra­ba­lhan­do em equi­pe, incluin­do os mes­tres dos rebo­ca­do­res – con­tou Marcio à época.

No pon­to de fun­deio, ain­da foi pre­ci­so girar os navi­os jun­tos antes de lar­gar o fer­ro, para ali­nhá-los a ven­to e cor­ren­te. Dessa vez, foram uti­li­za­das as máqui­nas de ambos para a mano­bra. A ope­ra­ção durou cin­co horas e meia, com os prá­ti­cos retor­nan­do ao cais ape­nas às 22h40min. 

– Nossa sen­sa­ção, quan­do tudo ter­mi­nou, foi de que a tri­pu­la­ção não tinha ideia do ris­co que todos cor­ri­am caso os navi­os con­ti­nu­as­sem à deri­va. Mas nós sabía­mos o que pode­ria acon­te­cer. Por isso, todos as ações foram toma­das com mui­ta agi­li­da­de – dis­se Fábio.

Além das pés­si­mas con­di­ções ambi­en­tais, eles enfren­ta­ram outros desa­fi­os como o fato de as boi­as de con­ten­ção de vaza­men­to terem fica­do pre­sas no entor­no dos navi­os, o que pode­ria pre­ju­di­car o uso das máqui­nas. Para agra­var ain­da mais a situ­a­ção, com 40 minu­tos de nave­ga­ção, um tri­pu­lan­te do “Milton Santos” pas­sou mal, em esta­do gra­ve. Devido às ondas e aos ven­tos, ele pre­ci­sou ser trans­fe­ri­do pela tri­pu­la­ção do con­vés para o “Rio 2016” e depois a um dos rebo­ca­do­res, seguin­do a ope­ra­ção a par­tir daque­le momen­to com ape­nas três embar­ca­ções de apoio. Apesar da agi­li­da­de no socor­ro, o tri­pu­lan­te mor­reu antes de che­gar ao hospital.