Guia sobre a praticagem
O que é praticagem?
A Praticagem do Brasil é a atividade que conduz os navios em segurança na entrada e saída dos portos, tanto na sua navegação no canal de acesso quanto na atracação e desatracação.
Essa navegação pode se estender por 25 milhas náuticas (46 km), em zonas de praticagem como Rio de Janeiro (ZP-15) e Paraná (ZP-17), até 615 milhas (1.139 km), como na Bacia Amazônica Oriental (ZP-01), no trajeto entre Macapá (AP) e Itacoatiara (AM) pelo Rio Amazonas.
O serviço é realizado a bordo pelo prático, ou pilot nos outros países, profissional que embarca de sua lancha no navio em movimento, a partir de uma escada estendida no costado da embarcação.
O que são zonas de praticagem?
Zonas de Praticagem são áreas que exigem o serviço do prático na condução dos navios, tanto no canal de acesso quanto na atracação e desatracação, devido às restrições para a navegação. No Brasil, existem 20 zonas de praticagem estabelecidas pela Marinha do Brasil, ente regulador da atividade.
Há estados, por exemplo, com mais de uma ZP. É o caso de Santa Catarina, onde o serviço é obrigatório para os navios que demandam os portos de São Francisco do Sul e Itapoá (ZP-18), Itajaí e Navegantes (ZP-21) e Imbituba (ZP- 22). Já na Amazônia, a ZP-01 atravessa três estados: Amapá, Pará e Amazonas. É a maior ZP do mundo. O serviço nos rios da região pode durar mais de três dias, com dois práticos se revezando a bordo no passadiço.

Como é o trabalho do prático a bordo?
Após uma troca inicial de informações com o comandante, chamada de MPX (Master Pilot Exchange), o prático passa a pilotar o navio. Ele dá ordens de leme e máquina à equipe do passadiço e de puxar e empurrar aos comandantes dos rebocadores, além de monitorar o tráfego ao redor, combinar cruzamentos com outras embarcações e coordenar o serviço de amarração.

Por que o comandante não pode ele mesmo manobrar o navio?
O comandante é treinado para a navegação em alto-mar, longe dos perigos, chamada de ship manoeuvrability. Já o prático recebe treinamento para navegar e manobrar em águas mais restritas ao tráfego, onde as embarcações se comportam de maneira diversa e existem condições com as quais o comandante não está familiarizado, como ventos, correntes, ondas e marés. Esse treinamento do prático se chama shiphandling. Ambos são traduzidos como manobra no português, mas têm significados diferentes.
Toda embarcação precisa de prático?
De acordo com a legislação, o serviço é obrigatório para embarcações com mais de 500 de arqueação bruta, salvo as previstas em regulamento da Autoridade Marítima e as classificadas, exclusivamente, para operar na navegação interior com bandeira brasileira, como é o caso dos comboios de balsas. A Marinha pode conceder isenção de praticagem a comandantes brasileiros de navios de bandeira brasileira de até cem metros de comprimento, com pelo menos 2/3 da tripulação brasileira. Um dos critérios para a concessão é a exigência prévia de análise risco atestando não haver perigo à navegação.
Por que a praticagem existe no mundo inteiro?
Apesar de contratada pelo armador, a praticagem tem como cliente o Estado brasileiro. Afinal, o prático vai a bordo para proteger a sociedade de acidentes que podem provocar severa poluição ambiental, mortes, danos ao patrimônio público e privado e fechamento de um porto para a economia.
Navios carregam toneladas de combustível só para consumo e podem também transportar cargas como petróleo, gás e outras poluentes. Um acidente com uma grande embarcação pode poluir praias e rios por mais de uma década, além de impactar o comércio exterior. Administrar esse risco para a sociedade, pilotando e manobrando gigantes com segurança, é tarefa complexa que exige alto nível de especialização.
Há estudos comprovando a importância da praticagem?
Sim, há exemplos e estudos realizados em áreas de praticagem facultativa: por exemplo, nos estreitos de Bósforo e Dardanelos, na Turquia, que ligam o Mar Negro ao Mar Egeu, no Mediterrâneo, passando pelo Mar de Mármara. O primeiro deles, foco da análise, é o mais desafiador.
Todos os navios com mais de 150 metros são recomendados a utilizar o serviço do prático. A navegação nos estreitos ocorre por canais sinuosos e afetados por complexas e fortes correntes, que podem chegar a oito nós. As grandes embarcações e as que transportam cargas perigosas também são recomendadas a requisitar um rebocador para acompanhar a passagem.
Apesar disso, somente 83,1% solicitam a praticagem. O resultado? Entre 2004 e 2019, de 355 acidentes, 329 ocorreram sem prático a bordo. A maioria foi colisões (192), encalhes (64) e abalroamentos (47) entre embarcações.

Os dados revelam que o serviço de praticagem reduz em 59 vezes o risco. O índice de incidentes com prático foi irrisório, de 0.00599%.
O acidente mais emblemático em poluição ambiental ocorreu, em 1989, em uma região à época de praticagem facultativa. O prático não foi requisitado. O navio EXXON VALDEZ encalhou, no Alasca, rompendo oito tanques de carga e vazando 38 mil toneladas de óleo cru. Apesar de ser o 35o acidente do mundo em volume derramado, foi o que provocou o maior dano a um ecossistema. Em poucos dias, o óleo percorreu 2.200 quilômetros, distância entre Rio de Janeiro (RJ) e Natal (RN). O custo de limpeza foi equivalente à compra de 40 navios novos. Dez anos depois, havia resquícios da poluição.
Quais os desafios da profissão no dia a dia?
Navegar e manobrar em águas mais restritas ao tráfego, onde as embarcações se comportam de maneira diversa e existem condições ambientais específicas, torna o trabalho desafiador por essência.
Nenhuma manobra é igual a outra. Navios são muito diferentes, cada um tem uma dinâmica de comportamento em águas restritas. Além disso, podem apresentar problemas durante a manobra, como falha de máquina, leme travado ou até mesmo um apagão total. Condições ambientais inesperadas também podem surgir, como ventos e correntes acima dos limites operacionais.
E existe ainda a questão da inércia. Navios de médio para grande porte, mesmo utilizando máquina atrás, podem avançar quase dois quilômetros até parar. Por isso, o prático precisa sempre pensar com muita antecipação para reagir a situações críticas a tempo.

Além dos desafios naturais da profissão, os navios cresceram em ritmo maior do que a infraestrutura portuária. De um lado, as embarcações dobraram de tamanho em 50 anos e incrementaram sua capacidade de transporte em 1.500%, apesar de sua eficiência reduzida para navega- ção em águas restritas. Do outro, portos com as mesmas dimensões não acompanharam a evolução em infraestrutura, sofrendo com falta de dragagem, sinalização náutica, sistemas apropriados de defensas, cabeços de amarração e sensores de dados ambientais. A maioria não está de acordo com as diretrizes da Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Aquaviário (Pianc). Para superar essas limitações portuárias com segurança e eficiência, a praticagem precisa investir muito em estu- dos, treinamento e tecnologia.
Como funciona uma atracação?
Em linhas gerais, uma atracação é uma colisão controlada e suave contra as defensas do cais, em espaço previamente determinado. Defensas são estruturas de segurança que amortecem esse impacto.
A atracação é uma composição vetorial em que o prático pode utilizar a propulsão do navio, o leme, o emprego de rebocador(es) e as próprias forças da natureza como vento e corrente. O objetivo é que o movimento resultante leve o navio a encostar no espaço alocado no cais.

Em alguns terminais, existe uma velocidade máxima de aproximação na fase final da atracação, e os práticos possuem controle efetivo disso. Em manobras mais complexas e delicadas, os práticos utilizam recursos eletrônicos avançados de navegação, como o PPU (Portable Pilot Unit).
Por que o profissional é chamado de prático?
Em 1808, foi assinado o primeiro decreto de regulamentação do serviço no país. Na época, D. João VI criou o regimento para o “piloto prático da barra do porto do Rio de Janeiro”. Ao longo do tempo, o substantivo piloto foi sendo abandonado, e a denominação do profissional no Brasil ficou apenas prático. Em Portugal, onde se originou o nome composto, o processo foi ao contrário, o adjetivo prático foi excluído e os profissionais são conhecidos atualmente apenas como pilotos.
Como se tornar prático?
Para se tornar prático, é preciso ser aprovado em processo seletivo da Marinha para praticante de prático. É necessário ter idade mínima de 18 anos, curso superior e habilitação de mestre-amador. O processo cobra conhecimentos como manobrabilidade do navio; arte naval; navegação em águas restritas; legislação e regulamentação; meteorologia e oceanografia; comunicações; entre outros.
Se aprovado, o candidato participa de um programa de qualificação intenso em que realiza centenas de manobras supervisionadas durante o mínimo de 12 meses. Só então, ele pode prestar o exame de habilitação para prático, a bordo de embarcação.
Após habilitado, o prático pode abrir a própria empresa ou tornar-se sócio de uma existente na zona de praticagem. Essa é a opção da maioria, pelos altos custos de prestação do serviço.
Para se manter habilitado, o prático deve executar um mínimo de fainas de praticagem por período, já que a profissão exige experiência regular em diferentes navios e manobras. Também, a cada cinco anos, o prático precisa completar o Curso de Atualização para Práticos (ATPR).
Todas as informações sobre o processo seletivo estão nas Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (NORMAM-311) da Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha.
Qual o nível de inglês necessário para ser aprovado no processo seletivo e exercer a profissão?
É preciso ser capaz de compreender a bibliografia do processo seletivo para praticante de prático, realizar a prova prático-oral da seleção e, após habilitação, manter uma conversação técnica com equipes de passadiço de diferentes países.
Por que o prático corre risco de morte a cada embarque?
O prático embarca de sua lancha no navio em movimento, a partir de uma escada estendida no costado da embarcação, chamada de escada de quebra-peito. Ela pode ser combinada com uma escada de portaló, inclinada, quando a distância da superfície da água até o ponto de acesso à embarcação supera os nove metros, evitando uma longa escalada do prático. O problema é que esses dispositivos dos navios muitas vezes estão malconservados ou instalados em desacordo com a regulação internacional. Em 2024, 13% estavam irregulares, segundo a pesquisa anual de segurança da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA). Infelizmente, todo ano um prático morre em serviço no mundo.

Por que o prático não usa cabos de aço ou cintas ao seu corpo evitando a queda no mar?
Esses dispositivos funcionam na movimentação entre estruturas estáticas. No caso, um navio e uma lancha de praticagem se movimentam com seis graus de liberdade; e não há sincronia entre eles. Além disso, a tripulação de um navio não recebe treinamento para operar meios de embarque mais complexos. Cabe aos práticos alertar os comandantes e recusar dispositivos em desacordo com a regulação, assim como relatar as irregularidades observadas às autoridades competentes.
Já quando condições ambientais adversas impossibilitam o embarque, a própria Autoridade Marítima decreta a impraticabilidade da zona de praticagem. Se as condições impedirem o desembarque, o prático deve estar sempre preparado para seguir viagem até o próximo porto.
Como se dá o atendimento aos navios?
Em cada zona de praticagem, os práticos estão reunidos em uma ou mais empresas. O atendimento ao armador do navio se dá por meio da escala de rodízio única, prevista em lei.
O armador é obrigado a usar o prático da vez, independentemente da empresa à qual pertença o prático. O prático também não escolhe o armador. Isso garante independência ao prático para tomar sempre a decisão mais segura, a despeito de interesses comerciais.
Ao mesmo tempo, a escala assegura a disponibilidade permanente do serviço e que o prático não vai trabalhar demais, a ponto de comprometer a segurança da manobra, nem de menos, podendo perder experiência. A escala é ainda um instrumento de controle do Estado sobre a atividade.
Esse modelo é regulado pela Marinha e segue princípios de segurança da Organização Marítima Internacional (IMO): sinistralidade mínima; autonomia da praticagem dos interesses comerciais do armador; aprimoramento contínuo da proficiência do prático; limitação no número de profissionais; experiência recente; e divisão equânime do tempo de trabalho.
Quantos práticos estão em atividade no Brasil?
São 594 práticos distribuídos em 20 zonas de praticagem (dados de março de 2025).
Há mulheres entre os práticos?
Sim. O processo seletivo é aberto a todos. São 14 mulheres habilitadas como prático no Brasil.

Qual o salário de um prático?
Práticos são sócios de empresas de praticagem e, como tal, não recebem salário fixo mensal de um empregador, mas, sim, parte do lucro após o pagamento dos custos de prestação do serviço e impostos. As empresas de praticagem têm a política de não divulgar o valor recebido pelos sócios porque este varia muito dentro de uma zona de praticagem e entre zonas de praticagem diferentes, de acordo com a quantidade de navios atendidos no período; além de ser uma questão pessoal. Por isso, todas as informações que circulam sobre ganho individual são imprecisas e não partem das empresas de praticagem.
É verdade que, nos maiores portos do país, as empresas de praticagem são, em sua maioria, lucrativas. Mas essa não é a única realidade. Há portos pequenos, com pouca movimentação de navios, onde as empresas podem não ter recursos suficientes para manutenção até mesmo dos seus custos operacionais. Nesses casos, pode ocorrer, inclusive, a extinção e incorporação da zona de praticagem, como aconteceu com as praticagens de Camocim, Ilhéus e Sergipe.
O que podemos afirmar é que a remuneração é condizente com o nível de especialização do prático, o risco de morte que ele corre a cada embarque/desembarque, os elevados custos de funcionamento da atividade e a responsabilidade ambiental que ele administra a bordo.
Quais os custos de prestação do serviço?
Além dos gastos normais de qualquer empresa, existem custos elevados advindos de padrões de operação exigidos na NORMAM-311 da Marinha. Entre eles, estão as lanchas para embarcar e desembarcar o prático, que precisam de manutenção regular. São embarcações com características especiais de manobrabilidade, estabilidade e potência de máquina, capazes de suportar o contato direto com os navios.
As normas também exigem equipamentos mínimos para o funcionamento dos centros de operações da praticagem. Essas estações, chamadas de atalaias, são dotadas de alta tecnologia e fornecem as informações de apoio para a tomada de decisão do prático a bordo, como situação do tráfego e dados ambientais.
Toda a estrutura deve estar disponível durante o ano inteiro, 24 horas. Essa prontidão ininterrupta tem despesas consideráveis, inclusive de pessoal, fora outros investimentos realizados para compensar limitações portuárias, como as lanchas de batimetria que identificam assoreamentos em canais de acesso e berços de atracação.

É verdade que a praticagem no Brasil está entre as mais caras do mundo?
Essa informação foi uma fake news disseminada por muitos anos por terceiros. Em 2021, a praticagem contratou estudo junto ao Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e os preços estavam abaixo dos praticados internacionalmente, apesar de a atividade realizar funções desempenhadas em outros países pelos portos ou pelo Estado. Além disso, os preços são muito inferiores ao valor que o serviço agrega em segurança da navegação e eficiência portuária.
Como é estabelecido o preço do serviço?
Conforme a legislação, o preço do serviço é livremente negociado entre entes privados: armadores e praticagem. Há acordos em praticamente 100% das negociações. Nos demais casos, mediante provocação das partes, seja por abuso de poder econômico ou defasagem de preço, a Autoridade Marítima pode fixá-lo em caráter extraordinário, excepcional e temporário. A Marinha pode, inclusive, formar comissão para emitir parecer sobre o preço, consultando a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Como é regulado o serviço?
Quem regula o serviço tanto nos seus aspectos técnicos quanto econômico é a Marinha do Brasil, com base na Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei 9.537/1997), atualizada em janeiro de 2024, e nas Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (NORMAM-311/DPC).
A automação pode vir a substituir o prático a bordo?
Navios autônomos menores talvez operem em trades específicos. Mas dificilmente a automação vai substituir o prático nas grandes embarcações em águas restritas, onde o risco é muito maior e há situações imprevisíveis. O assunto envolve questões complexas e relevantes dos pontos de vista econômico, jurídico, da soberania e, principalmente, da segurança da navegação.
Navios controlados por inteligência artificial exigem um nível de sofisticação cujo custo é infinitamente maior do que manter uma tripulação a bordo. Além disso, reduzir acidentes causados por falha humana é solução para um falso problema, já que a indústria marítima trabalha com praticamente 100% de segurança.
Outros pontos dizem respeito à soberania dos povos – pois o prático representa o Estado a bordo – e ao risco de ataques cibernéticos com propósito terrorista.
A tecnologia nos portos também precisa ser avançada para receber essas embarcações. E existem ainda desafios na área jurídica, sobre a responsabilidade em caso de acidentes.
Quais são as instituições oficiais ligadas à praticagem?
O Praticagem do Brasil é a associação que representa as empresas de praticagem e busca o aprimoramento da profissão e da qualidade do serviço. Para fins de divulgação da atividade, adota o nome fantasia Praticagem do Brasil.
Instalado no Rio de Janeiro, é o órgão de representação nacional da atividade reconhecido pela Marinha, que lhe delegou três de suas competências: coordenar o Curso de Atualização para Práticos (ATPR) a cada cinco anos; homologar os centros de operações (atalaias) e as tripulações das lanchas de praticagem; e realizar inspeções e laudos para homologação das lanchas.
Desde 1981, a Praticagem do Brasil é filiada à Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), voz da praticagem na Organização Marítima Internacional (IMO). Atualmente, ocupa uma das vice-presidências da entidade. Também integra, desde 2004, a delegação brasileira que atua na IMO, em Londres. Em âmbito regional, é uma das fundadoras do Fórum Latino-Americano de Práticos (Flaprac).
Por sua vez, o Instituto Praticagem do Brasil é um centro de treinamento marítimo e avaliação de projetos aquaviários e portuários, enquanto a Federação Nacional dos Práticos (Fenapráticos) representa os práticos no âmbito trabalhista. Ambos estão situados em Brasília.


