NOVA LEI DE PRATICAGEM FAZ UM ANO E TRAZ ESTABILIDADE

Responsável por con­du­zir os navi­os na entra­da e saí­da dos por­tos, a Praticagem do Brasil sem­pre man­te­ve um índi­ce de segu­ran­ça de pra­ti­ca­men­te 100% em nos­sas águas, sem ocor­rên­cia de inci­den­tes gra­ves, sen­do refe­rên­cia inter­na­ci­o­nal. Contudo, os prin­ci­pais cri­té­ri­os que nor­te­a­vam a nave­ga­ção segu­ra esta­vam pre­sen­tes em nor­mas admi­nis­tra­ti­vas da Marinha do Brasil, sem for­ça de lei. Essa fra­gi­li­da­de gera­va, por inte­res­ses comer­ci­ais, ques­ti­o­na­men­tos fre­quen­tes ao poder dis­cri­ci­o­ná­rio da Autoridade Marítima, inclu­si­ve na esfe­ra judicial.

Por isso, em abril de 2022, o Senado Federal enten­deu que era pre­ci­so tra­zer esta­bi­li­da­de regu­la­tó­ria à pres­ta­ção do ser­vi­ço, con­si­de­ra­do essen­ci­al e de inte­res­se públi­co ape­sar de sua natu­re­za pri­va­da, na medi­da em que 95% do comér­cio exte­ri­or pas­sa pelos portos. 

A dis­cus­são sobre a atu­a­li­za­ção da regu­la­ção se arras­ta­va há uma déca­da no Legislativo, com pro­je­tos que nun­ca avan­ça­ram. Até que o sena­dor Nelsinho Trad apre­sen­tou o Projeto de Lei nº 877/22, apro­va­do, em maio de 2023, por 15 votos a 0, após deze­nas de reu­niões e audi­ên­ci­as públicas. 

A maté­ria tra­mi­tou na Câmara dos Deputados, que deci­diu apro­vei­tar o tex­to do Senado e outros que tra­mi­ta­vam na Casa, aper­fei­ço­an­do-os no Projeto de Lei nº 757/22 do Executivo, na for­ma de subs­ti­tu­ti­vo. Novamente, o tex­to foi apro­va­do em vota­ção unâ­ni­me, após mais uma série de reu­niões e audi­ên­ci­as, sen­do devol­vi­do ao Senado, que o chan­ce­lou por 12 votos a 0. 

A san­ção pre­si­den­ci­al veio a ocor­rer em 15 de janei­ro de 2024, com a publi­ca­ção do novo diplo­ma nor­ma­ti­vo no dia seguinte.

Passados 12 meses, não tive­mos uma recla­ma­ção sequer sobre a pres­ta­ção téc­ni­ca do aten­di­men­to ou o pre­ço, o que demons­tra que a dese­ja­da esta­bi­li­da­de foi alcan­ça­da, encer­ran­do um ciclo de inse­gu­ran­ça jurí­di­ca sobre a ati­vi­da­de. Sem dúvi­da, isso se deve à ampla dis­cus­são e ao enten­di­men­to cole­ti­vo das par­tes envol­vi­das na ela­bo­ra­ção da legislação.

A Praticagem do Brasil fez um gran­de esfor­ço em infor­mar aos par­la­men­ta­res como fun­ci­o­nam os sis­te­mas de pra­ti­ca­gem no Brasil e no mun­do, e quais são os pila­res comuns de segu­ran­ça da nave­ga­ção. Senadores e depu­ta­dos, por sua vez, estu­da­ram a fun­do a maté­ria e a deba­te­ram seri­a­men­te, ouvin­do mais de uma deze­na de ato­res inte­res­sa­dos. Entre os con­gres­sis­tas, des­ta­ca­mos o empe­nho dos rela­to­res do pro­je­to nas duas Casas, sena­dor Weverton e depu­ta­do Coronel Meira, além do minis­tro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.

A Lei nº 14.813/24 atu­a­li­zou a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei nº 9.537/97), incor­po­ran­do pon­tos con­sa­gra­dos das Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (NORMAM-311/DPC) e a juris­pru­dên­cia de tri­bu­nais supe­ri­o­res rela­ci­o­na­da à ati­vi­da­de. Além dis­so, o tex­to alte­rou a Lei nº 10.233/01, que cri­ou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, per­mi­tin­do que a Antaq par­ti­ci­pe de comis­são para asses­so­rar a Marinha em even­tu­ais dis­cus­sões para fixa­ção excep­ci­o­nal do pre­ço do ser­vi­ço, seja por defa­sa­gem ou abu­so de poder econômico. 

Portanto, os legis­la­do­res não só con­fir­ma­ram como ampli­a­ram as com­pe­tên­ci­as da Autoridade Marítima na regu­la­ção de pra­ti­ca­gem, tan­to no aspec­to téc­ni­co quan­to econô­mi­co, refor­çan­do o pro­ta­go­nis­mo da instituição. 

Entre os parâ­me­tros de segu­ran­ça incor­po­ra­dos à Lei nº 9.537/97, cer­ta­men­te o mais impor­tan­te foi a esca­la de rodí­zio úni­ca de aten­di­men­to aos arma­do­res. Ela foi esta­be­le­ci­da pela Marinha para asse­gu­rar a dis­po­ni­bi­li­da­de per­ma­nen­te do ser­vi­ço, evi­tar a fadi­ga do prá­ti­co e garan­tir a quan­ti­da­de míni­ma de mano­bras para ele man­ter a habi­li­ta­ção. Ademais, o ins­tru­men­to con­fe­re auto­no­mia para o prá­ti­co tomar sem­pre a deci­são mais segu­ra a bor­do, inde­pen­den­te­men­te de pres­são comer­ci­al do arma­dor, que não esco­lhe quem vai aten­dê-lo. Da mes­ma for­ma, o prá­ti­co não esco­lhe o arma­dor, impe­din­do qual­quer regi­me de preferência.

A obri­ga­to­ri­e­da­de do ser­vi­ço para embar­ca­ções com mais de 500 de arque­a­ção bru­ta (sal­vo exce­ções pre­vis­tas), bem como os cri­té­ri­os para con­ces­são de isen­ção de pra­ti­ca­gem (a coman­dan­tes bra­si­lei­ros de navi­os naci­o­nais de até cem metros), foram outros pon­tos alça­dos à legis­la­ção. O valor aci­ma de 500 AB é a defi­ni­ção de navio em con­ven­ção inter­na­ci­o­nal e o limi­te para a cha­ma­da Pilotage Exemption Certificate (PEC) tam­bém um padrão mundial. 

A nova lei trou­xe ain­da um aper­fei­ço­a­men­to con­si­de­rá­vel à regu­la­ção econô­mi­ca. O pre­ço segue a livre nego­ci­a­ção entre arma­do­res e pra­ti­ca­gem. Mas a Marinha pode fixá-lo – em cará­ter extra­or­di­ná­rio e tem­po­rá­rio – medi­an­te pro­vo­ca­ção das par­tes, e não ape­nas para garan­tir a dis­po­ni­bi­li­da­de do ser­vi­ço. Sem per­der sua prer­ro­ga­ti­va, a enti­da­de for­ma­rá uma comis­são pari­tá­ria para asses­so­rá-la nas recla­ma­ções, incluin­do a Antaq.

Até o momen­to, nada dis­so foi neces­sá­rio, porém, os ins­tru­men­tos regu­la­tó­ri­os exis­tem e estão mais robus­tos. Ganharam a Autoridade Marítima, com a ele­va­ção do seu sta­tus nor­ma­ti­vo, e o Brasil, com a afir­ma­ção em lei da pri­o­ri­da­de dos inte­res­ses naci­o­nais. Afinal, não pode­mos cor­rer o ris­co de ter uma embar­ca­ção atra­ves­sa­da no canal de aces­so sema­nas a fio ou vazan­do óleo e poluin­do nos­sos mares e rios para além de uma década.

A nova lei tem sido apre­sen­ta­da e elo­gi­a­da em con­gres­sos mun­do afo­ra, como na Argentina, na Holanda e nos Estados Unidos. Não se tra­ta de uma jabu­ti­ca­ba bra­si­lei­ra. Ela é fru­to do apren­di­za­do de expe­ri­ên­ci­as colhi­das pela pra­ti­ca­gem bra­si­lei­ra nos prin­ci­pais paí­ses, cujos sis­te­mas são simi­la­res ao nos­so na mai­or par­te dos aspec­tos. Conseguimos avan­çar até em pro­ble­mas não resol­vi­dos por eles. Devemos nos orgu­lhar das bases que cons­truí­mos em prol do povo brasileiro.

Ricardo Falcão é dire­tor da Praticagem do Brasil e vice-pre­si­den­te da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA) 

Artigo publi­ca­do na Portos e Navios