NATAL RECEBE PRÁTICOS NO 46º ENCONTRO NACIONAL DE PRATICAGEM
O sucesso de uma manobra de navio resulta de um trabalho coletivo e não se deve esquecer das relações humanas envolvidas, seja com a equipe de passadiço, rebocadores ou amarradores. Da mesma forma, o prático não pode negligenciar o cuidado pessoal fora de serviço, sob pena de comprometer suas competências técnicas. Os temas foram tratados durante o 46º Encontro Nacional de Praticagem, que ocorreu no hotel Wish, em Natal (RN), de 4 a 6 de dezembro. O evento é realizado anualmente pelo Conselho Nacional de Praticagem.
No primeiro dia, gerentes e assessores das entidades de praticagem se reuniram para debater tópicos como o impacto da reforma tributária nas empresas e gerenciamento de crise em grandes acidentes. O segundo dia foi dedicado ao ciclo de palestras e o terceiro, à assembleia privativa dos práticos.
O programa de apresentações foi iniciado com as palavras do presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca. Ele fez um breve balanço do último evento e os avanços até então, como a consolidação da nova lei de praticagem. A primeira exposição coube ao deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos). O parlamentar abordou novamente a importância da reforma tributária para destravar a economia brasileira:
– Até 1930, a nossa economia cresceu a 4.8%, mesmo com tumultos políticos. De 1931 a 1980, a cada dois anos dobramos o PIB, independentemente de governos. Até que o país parou de crescer e passou por três grandes crises econômicas. O nosso sistema tributário é o pior e o mais injusto do mundo. Precisamos destravá-lo. A principal mazela é a renúncia fiscal anual. Com ela, abrimos mão de 7% do PIB. Nossa estrutura é também a mais burocratizada e gera custos. No fim das contas, quem paga é o cidadão. Tributamos muito o consumo, afetando especialmente os mais pobres. O ideal é adotar o modelo internacionalmente aprovado do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Voltaremos, assim, a crescer de forma sustentada.
Na sequência, o juiz-presidente do Tribunal Marítimo, vice-almirante Ralph Dias, apresentou a instituição, como ela funciona e suas atribuições. O órgão é autônomo, auxiliar do Poder Judiciário e vinculado ao Comando da Marinha. Tem como missão julgar os acidentes e fatos da navegação em todo o território, além de manter atividades cartorárias como o Registro da Propriedade Marítima. Suas decisões técnicas têm valor comprobatório e dão embasamento à Justiça comum. Sua criação ocorreu após o bombardeio do cargueiro alemão BADEN pelo Forte da Vigia (atual Forte do Leme). A embarcação saiu do Rio de Janeiro sem autorização e sem prático a bordo, ignorando os avisos de parar da Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói.
– As decisões do Tribunal Marítimo têm caráter educativo, ao propor medidas preventivas e de segurança da navegação. São 90 anos promovendo segurança jurídica para investidores, para a gente do mar e a gente do porto – destacou o vice-almirante Ralph.
Encerrando a parte da manhã, o médico e professor Eugenio Mussak se concentrou nos desafios humanos da praticagem:
– Existem quatro categorias de competências: técnicas, de gestão, relações humanas e excelência. Se você estiver fadigado, fará a manobra corretamente mesmo tendo as competências técnicas? As competências, portanto, acabam se confundindo. Sem repouso, não funcionamos. É essencial o exercício físico, a alimentação e o sono. Evitar o estresse é impossível, temos que saber administrá-lo para não perder a capacidade de percepção e tomada de decisão. Cuidem de suas competências técnicas, mas também do seu lado humano, especialmente a relação consigo mesmo, prezando pela recuperação. Caso contrário, a técnica será contaminada.
À tarde, o painel inicial focou no sistema de calado dinâmico implantado em portos da Zona de Praticagem 14 (Espírito Santo). A ferramenta possibilita um cálculo mais preciso da folga abaixo da quilha do navio, permitindo que as embarcações carreguem mais sem risco de encalhe.
O diretor-executivo, técnico e operacional da Praticagem do ES, Daniel Menezes, disse que o sistema possui custo moderado em relação aos investimentos em infraestrutura portuária, mas é fundamental que os papéis das organizações sejam muito bem definidos. Ele citou o caso de Portocel, em Barra do Riacho, situado em área do porto organizado.
– É preciso assegurar que cada organização esteja em conformidade com suas responsabilidades legais, para que não haja problemas futuros.
O professor da Marinha, Edson Mesquita, por sua vez, explicou os conceitos das regras estática e dinâmica, frisando que “folga dinâmica sem avaliação da margem de manobrabilidade do navio não faz sentido”.
Já a diretora técnica da UMI SAN Hidrografia e Engenharia, Priscila Farias, ressaltou a importância da qualidade dos dados ambientais que alimentam o sistema: onda, vento, corrente, profundidade e maré. A coleta dessas informações por sensores enfrenta desafios diversos como bioincrustração dos equipamentos, furtos, vandalismo, arraste por redes de pesca, calibração e transmissão em tempo real. É um processo que requer investimento.
– A praticagem sempre esteve à frente nas questões técnicas, para que os dados ambientais do software tenham a melhor qualidade.
A experiência dos práticos brasileiros com os porta-contêineres de 366 metros foi o assunto do painel seguinte, moderado pelo diretor técnico da Praticagem do Brasil, prático Felipe Perrotta. Embarcações desse comprimento já escalam os portos de Paranaguá (PR), Santos (SP), Sepetiba (RJ), Salvador (BA), Suape (PE) e Pecém (CE). Perrotta traçou a evolução desses navios ao longo dos anos:
– Até meados dos anos 50, não havia porta-contêineres. Quando viabilizamos uma manobra desse porte não somos custo, mas investimento. Os navios cresceram, porém, nossos portos são os mesmos. O que possibilitou esse tipo de operação? Foram a expertise, o treinamento e as novas tecnologias empregadas pela praticagem, por meio de simulação eletrônica e em modelos tripulados reduzidos, além de uso do portable pilot unit (PPU) nas manobras.
O presidente da Federação Nacional dos Práticos, prático Gustavo Martins, lembrou que a chegada dos 366 em Paranaguá foi um processo longo, desde 2013, quando o terminal questionou se a operação era viável:
– Em 2014, fomos à Holanda acompanhar simulações. Após a apresentação de relatórios pela consultoria contratada, foi autorizada a entrada desses navios em 2015. Depois, começamos a discutir cruzamentos no canal de acesso, para não restringir o tempo de operação, e foram definidas áreas de cruzamento. Por fim, elaborou-se a análise de risco, em que se estabeleceu a potência e a quantidade de rebocadores necessária. Com esses passos dados, ficamos prontos e aguardamos. Hoje, já recebemos 12 escalas. A preparação do canal, dos rebocadores e das equipes é fundamental. Me senti em casa manobrando porque acompanho essa análise há muitos anos.
O prático Jorge Luiz Sylvestre, que atua no Ceará (ZP-05), contou que passou uma semana no Panamá, onde acompanhou uma manobra:
– Não dê liberdade a esse navio, tenha rédea curta. O leme não tem todo o potencial e há baixa potência de máquina a ré.
Para o prático Alessandro Schmidt, de Pernambuco (ZP-09), a margem de erro na aproximação ao cais praticamente inexiste. Ele citou outros desafios:
– A escada de acesso ao navio, dependendo da borda livre (distância da lâmina d’água ao convés), é bem alta. É preciso pedir uma boa sombra ao comandante para embarcar mais protegido. Após o embarque, a interação entre os práticos um e dois deve ser constante, pela limitação do campo de visão. E a embarcação é muito suscetível à ação do vento e da corrente.
O prático André Kouzmine, do Rio de Janeiro (ZP-15), esteve em Baltimore (EUA) para treinamento. Em Sepetiba, são 21 milhas navegando até a atracação e as condições ambientais podem mudar inesperadamente durante a navegação, principalmente de vento, apontou.
– Em 2025, esperamos a entrada dos 366 também na Baía de Guanabara. Lá, apesar de a navegação ser mais curta, a velocidade deve ser mais elevada com a maré correndo.
O velejador Beto Pandiani fez a penúltima apresentação. Ele é reconhecido por travessias marítimas em barcos sem cabine e propulsão. Foram oito expedições ao redor do mundo, totalizando mais de 40 mil milhas navegadas, entre elas a passagem no Drake rumo à Antárctica. Feitos como esse envolvem planejamento de até dois anos, com a colaboração de dezenas de pessoas:
– Costumo dizer que o sucesso é uma experiência coletiva. Nessa viagem, em 2003, eu e meu parceiro demos 50 telefonemas de agradecimento.
Na viagem da Cidade do Cabo a Ilhabela, em 2013, ele pôde refletir sobre gestão de risco, que encontra paralelo com o foco exigido nas fainas de praticagem:
– Muitas vezes me senti mais seguro na tempestade do que na calmaria. Ficávamos 100% presentes e atentos. Nossos erros aconteciam quando estávamos desatentos e com certa prepotência.
A diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap, aproveitou o gancho da palestra de Pandiani para reforçar que a entidade também é fruto de um esforço coletivo dos práticos brasileiros. Ela exibiu um balanço de três anos do Instituto, que, além de se tornar um centro de treinamento para práticos e operadores de praticagem, mostrou-se aberto à sociedade, gerando conhecimento, debates e contribuindo para a melhoria da infraestrutura aquaviária e portuária no país.
– Em 2025, temos que nos aprimorar e crescer após a consolidação desses três anos. O incremento das turmas do ATPR (Curso de Atualização para Práticos) e da nossa presença nos fóruns do setor marítimo e portuário está entre as metas. Hoje, todos podem vivenciar o Instituto Praticagem do Brasil.
Por fim, o presidente da Praticagem do Brasil voltou ao palco para o encerramento do evento, resumindo e conectando os temas das palestras.
– Foi um dia muito profícuo em discussões que agregaram para cada um de nós. Fazemos 80 mil manobras/ano e temos orgulho imenso do índice de incidentes extremamente baixo. Nosso resultado deve ser sempre entregar o navio em segurança, não importam os recursos disponíveis. Não controlamos a natureza, é verdade, mas usamos ela a nosso favor. Entre as competências citadas pelo doutor Eugenio, o relacionamento humano é um ponto de atenção para o prático. Somos a primeira pessoa em contato com o comandante e sua equipe, vindos de uma longa navegação em alto-mar. E, como bem disse o Beto, o sucesso é coletivo. Nossos colaboradores e nossa família também embarcam conosco. Uma vez a bordo, vários atores precisam estar em sintonia, atentos e comunicando-se claramente. Continuaremos aprimorando o serviço. Que venha o próximo encontro. Em 2025, vamos comemorar 50 anos do Conselho Nacional de Praticagem.
Patrocinaram o 46º Encontro Nacional de Praticagem as empresas: Touch Software House (patrocinador Diamante); AQUASHIELD; DMGA Seguros; Hidromares; Navigandi; Supmar; UMI SAN; e Volvo Penta (patrocinadores Ouro).