ENTREGA DO PRÊMIO IMO POR BRAVURA EXCEPCIONAL NO MAR
Em cerimônia virtual devido à pandemia, os práticos de São Paulo Marcio Santos Teixeira e Fábio Rodrigues Alves de Abreu receberam, na quarta-feira (7/4), o Prêmio IMO por Bravura Excepcional no Mar, da Organização Marítima Internacional (IMO), o mais alto reconhecimento da comunidade marítima mundial. Eles foram reconhecidos com medalha e certificado por evitar um grave acidente com dois petroleiros carregados que ficaram à deriva em uma tempestade que atingiu São Sebastião (SP), em 28 de abril de 2019.
Os práticos brasileiros foram escolhidos entre 31 concorrentes de 18 países e duas organizações não governamentais. O evento contou com a presença do secretário-geral da IMO, Kitack Lim, que aproveitou a ocasião para reconhecer o trabalho dos marítimos na pandemia.
– Como resultado das ações corajosas do prático Marcio e do prático Abreu não se perderam mais vidas, danos graves às estruturas do cais e instalações de petróleo foram prevenidos, e um incidente que poderia gerar grande poluição marinha foi evitado – destacou a mestre de cerimônia Tamara Vassilissin, antes de passar a palavra aos vencedores.
Os práticos Marcio e Abreu agradeceram à Marinha do Brasil pela indicação e estenderam o reconhecimento a todos os marítimos:
– Sempre acreditei que o espírito de cooperação compartilhado por aqueles que trabalham e vivem no mar pode e deve servir de exemplo a todos, em cada área da atividade humana. Anonimamente, marítimos ao redor do mundo demonstram fenomenal bravura todos os dias. E eles o fazem em ambientes frequentemente hostis, onde as forças da natureza podem algumas vezes fazê-los sentir-se pequenos. Mas é exatamente nesses momentos que a sua grandeza tende a emergir. Sou orgulhoso e tenho humildade de pertencer a esse grupo de pessoas, muitas nunca são vistas ou reconhecidas. Receber este prêmio somente reforça o meu comprometimento de representar esses homens e mulheres corajosos. E também reforça o meu comprometimento particular com os práticos brasileiros por seu valor e sua fortaleza – afirmou o prático Marcio.
O prático Abreu também ressaltou que o reconhecimento foi significativo não apenas para eles, mas para todos os marítimos brasileiros. Da mesma forma, ele agradeceu aos colegas da praticagem:
– Sou agradecido aos práticos do Brasil pelo reconhecimento e especialmente aos meus colegas no Porto de São Sebastião pelo companheirismo e apoio. Enfrentar um desafio como esse da melhor maneira possível, ajudando a evitar perdas econômicas, de vidas humanas e a devastação do meio ambiente, foi uma conquista pessoal e profissional imensa da qual tenho orgulho.
Durante a cerimônia, foi destacada ainda a contribuição no episódio dos mestres e das tripulações de ambos os navios envolvidos, dos rebocadores e das lanchas da praticagem.
Das 31 indicações para o prêmio, uma dividiu o primeiro lugar com os brasileiros, a do suboficial de segunda classe Ralph Ofalla Barajan, da Guarda Costeira filipina, indicado pela liderança, fora de serviço, durante a inundação e o naufrágio do M/V Siargao Princess, do qual era passageiro com 54 pessoas.
O prêmio da IMO foi estabelecido, a partir de 2007, como reconhecimento internacional daqueles que, sob o risco de perder a própria vida, realizam atos de bravura excepcional, demonstrando coragem na tentativa de salvar vidas no mar ou prevenir ou mitigar danos ao meio ambiente marinho.
Relembre como foi a atuação dos práticos
Na tarde de 28 de abril, as embarcações Rio 2016 e Milton Santos – com 12 e 15 metros de calado – estavam atracadas, uma a contrabordo da outra, em operação de transferência de óleo no Terminal Almirante Barroso, no Porto de São Sebastião, quando os cabos de amarração se romperam devido à forte tempestade. Os ventos eram de até 70 nós (120km/h), e as ondas chegavam a dois metros.
Por volta das 17h, os práticos Marcio e Abreu foram acionados para atender à emergência e embarcaram na lancha da praticagem. Quando conseguiram se aproximar, os navios já estavam à deriva no meio do canal, em direção a Ilhabela.
Marcio subiu a bordo do Rio 2016. O embarque de Abreu no Milton Santos foi mais arriscado porque, além das ondas e dos ventos, a escada de portaló (parte do arranjo de embarque) fora destruída, restando a escada de quebra-peito. “Ter um prático em cada navio foi essencial para a comunicação e como plano de back-up”, destacou a IMO.
Ao chegar no seu passadiço primeiro, Marcio verificou que os navios ainda estavam conectados pelos mangotes de óleo. Naquele momento, dois rebocadores já estavam amarrados ao Rio 2016, e um ao Milton Santos. Um quarto rebocador foi amarrado também ao Rio 2016. As duas embarcações foram, enfim, estabilizadas pelos práticos, com os poucos recursos disponíveis nos navios e com o emprego dos rebocadores.
Como não era possível fundear fora do canal, devido às péssimas condições ambientais, e muito menos ali por causa da existência de cabos submarinos, eles decidiram seguir para uma área de fundeio no norte do canal. O Rio 2016 foi rebocando o Milton Santos a contrabordo a, no máximo, um nó e meio de velocidade, para evitar que os mangotes se desconectassem.
– Foi um dia atípico, de tempestade muito forte, com ventos de até 70 nós. A navegação com vento tão forte e baixa visibilidade foi um desafio – recorda Marcio, que, na época, comentou – O navio, na verdade, navegava de lado. Mas mostrei ao comandante, nas telas, que era o que tínhamos que fazer, e fomos trabalhando em equipe, incluindo os mestres dos rebocadores.
No ponto de fundeio, ainda foi preciso girar os navios juntos antes de largar o ferro, para os alinhar a vento e corrente. Dessa vez, foram utilizadas as máquinas de ambos para a manobra. A operação durou cinco horas e meia, e os práticos só retornaram ao cais às 22h40min.
– Nossa sensação, quando tudo terminou, foi de que a tripulação não tinha ideia do risco que todos corriam caso os navios continuassem à deriva. Mas nós sabíamos o que poderia acontecer. Por isso, todas as ações foram tomadas com muita agilidade – diz Abreu.
Além das péssimas condições ambientais, eles enfrentaram outros desafios como o fato de as boias de contenção de vazamento terem ficado presas no entorno dos navios, o que poderia prejudicar o uso das máquinas. Para agravar ainda mais a situação, com 40 minutos de navegação, um tripulante do Milton Santos passou mal, em estado grave. Devido às ondas e aos ventos, ele precisou ser transferido pela tripulação do convés para o Rio 2016 e depois a um dos rebocadores, seguindo a operação a partir daquele momento com apenas três embarcações de apoio. Apesar da agilidade no socorro, o tripulante morreu antes de chegar ao hospital.