COMO FOI O 2º SEMINÁRIO PLANEJAMENTO PORTUÁRIO NO RJ
Com auditório lotado novamente e boa audiência pela internet, o 2º Seminário Planejamento Portuário ocorreu no Rio de Janeiro, na terça-feira (3/9), e se consolida como importante evento do setor. A realização, da Praticagem do Brasil, dessa vez contou com apoio institucional da seção nacional da Associação Mundial de Infraestrutura de Transporte Aquaviário (Pianc) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A coordenação técnica coube ao professor Edson Mesquita (Marinha). O seminário foi prestigiado pelo diretor de Portos Costas, vice-almirante Carlos André Coronha Macedo, pelo juiz-presidente do Tribunal Marítimo, vice-almirante Ralph Dias, e pelo diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery.
O diretor técnico da Praticagem do Brasil, prático Felipe Perrotta, abriu o evento lembrando que sua origem foi o livro Planejamento portuário – recomendações para acessos náuticos, editado pela Praticagem do Brasil e disponível gratuitamente em seu site. A obra reúne as recomendações técnicas internacionais para elaboração de projetos ou modificação em portos existentes, como operação de uma nova classe de navio e instalação de um terminal aquaviário.
Perrotta ressaltou a criação da seção nacional da Pianc – entidade que produz os relatórios para orientar o planejamento portuário – bem como a aplicação de suas diretrizes nas normas da Marinha, que concede homologações e estabelece limites operacionais nos portos:
– Nossas limitações de infraestrutura diante do crescimento dos navios são conhecidas. Creio, contudo, que estamos no caminho certo. Temos um índice irrelevante de incidentes em mais de 80 mil manobras realizadas. E isso se deve à boa regulação da Marinha, que traz o que há de mais moderno das discussões na Organização Marítima Internacional (IMO). Além disso, destaco o surgimento da Pianc Brasil, em 2023. Agora, os membros brasileiros podem participar dos comitês responsáveis por elaborar as diretrizes técnicas internacionais, incluindo a perspectiva do nosso país.
O diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, delegado da seção nacional da Pianc, disse que o evento foi o primeiro apoiado pela representação brasileira:
– Antes da Pianc Brasil, a participação da nossa comunidade marítima e portuária não era tão efetiva. A praticagem, porém, sempre foi muito atuante na associação. Quero saudar ainda outra parceira, que é a Marinha. Agora, as guias da Pianc vão se aproximar das necessidades do país.
O diretor-geral acrescentou que a Pianc pode ajudar na superação de desafios. Como exemplo, citou o grupo que analisa o impacto nas vias navegáveis das mudanças climáticas, um dos temas do seminário:
– É um trabalho dentro de um contexto mundial em que o Brasil também sofre. Pelo segundo ano consecutivo, estamos na pior seca da Amazônia.
O professor José Carlos Bernardino, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), comentou que a Pianc oferece 16 estudos de caso de boas práticas de adaptações portuárias às mudanças climáticas. Ele elencou um passo a passo para esse planejamento de acordo com a Pianc.
– As mudanças climáticas causam diferentes impactos. No caso dos portos, elevação do nível do mar, alteração no regime de precipitação, aumento na intensidade do vento e na altura das ondas. Esses impactos vão afetar estruturas portuárias, condições de amarração das embarcações nos berços, das manobras, hidrodinâmicas e de dragagem. Outro fator bastante relevante é o aumento na frequência de eventos extremos, como tempestades e períodos de seca. Em função do cenário, temos necessidade de adaptar tanto os portos quanto os conceitos de projetos portuários. Mas há um custo. Por isso, é preciso definir medidas de curto, médio e longo prazo.
Simulações
Na primeira palestra, o coordenador do laboratório Tanque de Provas Numérico da USP (TPN-USP), professor Eduardo Tannuri, fez um apanhado da participação da universidade nos estudos náuticos portuários, com a incorporação da análise de risco, conforme preconiza a Pianc. Mais de 300 simulações já foram realizadas com parceria técnica da praticagem, como as que viabilizaram a chegada dos porta-contêineres de 366 metros em portos brasileiros.
– São navios diferentes em termo de manobrabilidade. Os práticos treinaram em modelos de embarcações reduzidas (no exterior), trouxeram a experiência para o simulador eletrônico e assim foi possível definir os limites operacionais, sendo hoje os 366 uma realidade. Em breve, vamos estudar os navios de 400 metros.
Outro estudo mencionado pelo professor trata do efeito de águas rasas na entrada de navios de passageiros em Belém (PA), idealizada para compensar a falta de leitos na rede hoteleira para a COP 30, em 2025.
– O canal tem largura muito pequena e o navio vai passar com ângulo de deriva de mais de dez graus, devido à ação das correntes na Baía do Guajará. O efeito de águas rasas é importante porque amplifica as forças da corrente sobre o casco, podendo aumentar a deriva. Isso deve ser considerado para determinar qual largura o canal deve ser dragado, como recomenda a Pianc – explicou Tannuri.
O assunto foi detalhado na palestra do prático Luiz Carlos Veloso, presidente da Praticagem da Barra do Pará:
– Não basta dragagem, o projeto envolve todo um planejamento portuário. Nunca recebemos embarcações de passageiros desse porte em Belém. O maior navio previsto tem 323 metros de comprimento e 41 metros de boca. O canal terá que ser mais largo na parte de maior influência de vento e maré, porque realmente a embarcação vai derivar muito. Por isso, fizemos simulações e análise de risco.
Cinthya Eliza apresentou simulações aplicadas à praticagem na Europa. Ela atua na Simwave, na Holanda, centro com 59 simuladores. Um dos investimentos é para simular o tráfego de 450 embarcações em parques eólicos esperados no Mar do Norte até 2035.
– O prático participa das simulações em determinados cenários, como situações de emergência. Por exemplo, no caso de navios sem governo. Ele também pode participar como consultor, dando suporte na operação do VTS (Serviço de Tráfego de Embarcações) ou na tomada de decisão do comandante.
Segundo Cinthya, o Brasil está no mesmo patamar e até mais avançado em desenvolvimento de simulação:
– Nosso país lá fora tem um nome muito grande, tanto pela indústria de óleo e gás quanto pela referência em praticagem.
Diretor de engenharia da Technomar – responsável por implantar um dos simuladores do Instituto Praticagem do Brasil, assim como a USP –, Edgard Malta complementou a abordagem da interação entre parques eólicos e navegação. No Brasil, a preocupação é maior no Nordeste, onde os parques offshore são mais promissores, não apenas pelo risco de colisão, mas devido aos impactos das radiações eletromagnéticas.
– A posição das turbinas pode afetar sistemas de navegação e comunicação – informou Malta.
Simulações em modelos tripulados reduzidos de embarcações também contribuem para aprimorar a segurança da navegação. Esse foi um dos temas da palestra do coordenador-executivo do Laboratório de Tecnologia Oceânica (LabOceano) da Coppe/UFRJ, professor Paulo de Tarso.
Na universidade, funciona o segundo tanque mais profundo do mundo, com 15 metros de profundidade, geradores de ondas, ventos e correntes. Nele, já foram feitos testes em lancha de quatro metros, na escala 1/1, mas a ideia é levar modelos reduzidos para a enseada em frente ao laboratório, instalado na Baía de Guanabara.
Em parceria com a Seagems (Sapura) e a Praticagem do Rio de Janeiro, o LabOceano está construindo um navio PLSV (Pipe Laying Support Vessel) de seis metros, na escala 1/25, para permitir treinamentos avançados em shiphandling.
Um dos sócios-fundadores da Argonáutica Engenharia e Pesquisas, empresa desenvolvedora do sistema de calado dinâmico ReDRAFT, Felipe Ruggeri mostrou a complexidade de estabelecer parâmetros operacionais a partir da coleta de dados de sensores meteoceanográficos.
– Muitas vezes a gente se preocupa apenas com o navio, mas, para a manobra ocorrer, diversos fatores precisam acontecer.
Além da Argonáutica, outra empresa presente e oriunda da USP foi a Navigandi, desenvolvedora do portable pilot unit (PPU) nacional. Coube a Rodrigo Barrera, um dos sócios, traçar um panorama da evolução do River Information Services (RIS) para a implementação do E‑Navigation (enhanced navigation), conceito de troca de informações marítimas a bordo e em terra entre stakeholders, visando à segurança da navegação e até a oportunidades de melhoria da eficiência no transporte logístico.
Os desafios de aperfeiçoamento e harmonização dos sistemas de auxílios à navegação, muito além do balizamento de canais, foram o foco do presidente da Organização Internacional de Auxílios Marítimos à Navegação (nova Iala), contra-almirante Marcos Almeida. A antiga associação não-governamental acaba de se transformar em organização intergovernamental.
– O principal objetivo dessa alteração é facilitar a cooperação geral e levar o tema para outro patamar, principalmente em nível governamental – justificou o contra-almirante.
A parte ambiental da programação incluiu ainda palestra de Silva Junior, Marcus Ramos e Alexandre Tito, da Whybim Energy. Eles se concentraram no tópico da gestão e eficiência energética visando à operação de green ports e corredores verdes.
– Navegaremos em um mundo verde porque a IMO fixou suas metas de descarbonização para 2050. Não podemos ficar fora desse processo. Os prazos fixados começaram a contar em 2008 – salientou Silva Junior.
O presidente da Praticagem do Brasil, prático Bruno Fonseca, encerrou o seminário, que contou com a presença do vice-presidente, prático Marcello Camarinha, do vice da Federação Nacional dos Práticos, prático Marcelo Cajaty, e da diretora-executiva do Instituto Praticagem do Brasil, Jacqueline Wendpap.
– Reunir a Autoridade Marítima, a seção nacional da Pianc e a Antaq representa muito para nós, pois consolida o livro Planejamento Portuário como referência. Ademais, ter aqui praticagem, rebocadores, autoridades Marítima e portuárias, terminais e usuários, significa que todos estarão alinhados na discussão dos assuntos. Um navio 366 não é somente 30 metros maior do que um de 333. São classes completamente diferentes. Se olharem o brasão da Pianc, está lá escrito que navegar é preciso, não no sentido da necessidade, mas da precisão, exatidão e acurácia. E vimos ao longo do dia o quanto navegar é ato preciso. Temos orgulho de integrar esse complexo sistema e contribuir para a segurança da navegação em nossas águas – finalizou o presidente.